sábado, 30 de março de 2013

A Escravidão Africana no Brasil Colonial


Navio Negreiro ou Tumbeiros já que morriam inúmeros negros na viagem
 O trabalho compulsório foi a marca da economia açucareira durante o processo de ocupação e colonização do território brasileiro. Dentro da lógica Mercantilista, que permeou os séculos XVI-XVIII, aonde o acúmulo de capitais foi a tônica econômica. É neste contexto, que a África será explorada. Não só seus recursos naturais vão gerar lucro as metrópoles que nela se estabeleceram, mas a marca mais profunda do desrespeito étnico, imposto pelo etnocentrismo, lógica que vigorou na Europa Modernista, aonde a etnia branca se julgava superior as demais etnias espalhadas pelo Planeta e, agora descoberta através do movimento marítimo.
Vamos entender melhor esse momento, aonde pessoas, classificadas por sua cor de pele, e com aval da Igreja Católica e Protestante se tornaram meras mercadorias, e sua cultura, seus territórios e sua vida passaram a ser classificados apenas como lucro.


Tráfico Negreiro século XVIII
A Escravidão e o Escravismo
Os europeus ao chegarem no continente africano deparam-se com a prática da escravidão, mas o que se verificou com o tráfico atlântico, a partir do século XV, não pode ser classificado como o mesmo fenômeno.
Durante muito tempo, acreditou-se na ideia de que a escravidão ocorrida na África fora mais branda e humanista se comparada à escravidão praticada na América até o século XIX. Muitos defendiam a tese de que o cativo era absorvido pelo povo que o capturava, caracterizando uma escravidão exclusivamente de cunho doméstico, mas, conforme veremos, a escravidão na África não ocorria somente neste formato.
Porém, sabemos que a relação entre senhor e escravo, tanto na África como na América, sempre foi baseada na violência, nos castigos e nas punições disciplinares. Além disso, as pessoas foram retiradas dos meios em que viviam, separadas de suas famílias, obrigadas a aprender outros idiomas e outros costumes, além de terem sido humilhadas e torturadas. Todas essas características foram chamadas de processo de desterritorialização, que ocorre quando indivíduos são retirados à força de seus territórios para outros territórios muitas vezes inóspitos.
A escravidão africana se configurou como cruel e desumana, segundo a historiadora Marina de Melo e Souza

“Desde os tempos mais antigos, alguns homens escravizaram outros homens, que não eram vistos como seus semelhantes, mas sim como inimigos e inferiores. A maior fonte de escravos sempre foram as guerras, com os prisioneiros sendo postos a trabalhar ou sendo vendidos pelos vencedores. Mas um homem podia perder seus direitos de membro da sociedade por outros motivos, como a condenação por transgressão e crimes cometidos, impossibilidade de pagar dívidas, ou mesmo de sobreviver independentemente por falta de recursos. [...] A escravidão existiu em muitas sociedades africanas bem antes de os europeus começarem a traficar escravos pelo oceano Atlântico”(SOUZA, 2006, p. 47 apudMOCELLIN; CARMARGO, 2010, p. 174).

A escravidão africana poderia acontecer por guerras, aonde o grupo vencido se tornava escravo do vencedor, já neste caso era visto como inferior/derrotado. Por dívida,quando o devedor sem condição de arcar com o pagamento, era escravizado pelo credor até que pagasse o devido com seu trabalho ou como punição por crimes. Porém, a escravidão e as guerras se tornaram mais freqüentes e lucrativas a partir da chegada do europeu.
A Indústria da Escravidão
O tráfico internacional de escravos marcou uma gigantesca rede de comércio de seres humanos, o tráfico negreiro, e a montagem  de um sistema altamente lucrativo, o escravismo.
Na América recém ocupada pelos europeus, o escravismo alçou grandes lucros, formando uma classe altamente enriquecida e poderosa com essa atividade. Na África,o tráfico favoreceu  a desorganização das estruturas políticas. A partir do tráfico se estimulou rivalidades entre as inúmeras etnias que habitam o continente , o que favoreceu, e ainda favorece a exploração das riquezas naturais  por países estrangeiros. Na Europa, o acúmulo de capitais proporcionado pelo tráfico negreiro e pela produção colonial foram os instrumentos principais de acumulação de capital para alavancar  o capitalismo.
Tráfico de Escravos Séculos XV e XVI


África: Os Reinos e o Tráfico Negreiro
A região da Costa D’Ouro, era o principal foco de atividades portuguesas no século XV, pois foi por  esta rota, que os primeiros navegadores começaram a descobrir novas terras e riquezas. Esta região estava repartida em pequenos principados desde o século XII. Os povos costeiros faziam comércio com os povos do interior através de escambo de sal, peixe, noz de cola, tecido, ouro e cobre.Estas comunidades faziam parte do grupo etnolinguístico  Akan e falavam a língua Kwa da família Níger-kadorfaniana. A expansão deste reino  da costa para o interior, estará ligada à expansão do comércio negreiro.
No início o povo Achanti, utilizava  suas reservas de ouro para adquirir armas de fogo. Com o tráfico,passaram a exportar cativos em troca de munição e mais armas, para promoverem mais guerras e gerar mais cativos.Desta forma, o reino Achanti ,com o incentivo advindo dos lucros dos cativos passou a dominar toda a região ao longo do século XVIII.
Na região do Golfo da Guiné, os europeus também encontraram reinos formados no século XII.Esses reinos agrupavam povos de língua Iorubá. O reino de Oyo, por sua localização entre a savana e a floresta, controlava grande parte do comércio. Já o reino de Benin detinham o controle sobre o marfim e a pimenta, agrupando ao longo dos incentivos vindos dos europeus, o tráfico de cativos.
Os lucros advindos do tráfico negreiro desencadearam  uma série de conflitos entre esses povos. As etnias já mantinham uma rivalidade natural, mas não podemos deixar passar em branco, o incentivo e as provocações promovidas pelos europeus. De início, ao perceberem essas rivalidades, as nações européias promoviam, através de benefícios a um determinado grupo étnico em detrimento de outros, o que acirrava as rivalidades. Vale lembrar que até hoje, em pleno século XXI, as guerras étnicas que ainda varrem o continente africano, beneficiam as nações européias. Mas recentemente,  o Congo vive uma interminável guerra civil, que gera  lucros incalculáveis a indústria de tecnologia, por conta a aquisição do coltan(principal matéria prima para a fabricação de computadores, celulares,GPS,satélites e afins).
Do reino de Daomé, do povo fon, localizado na região central, também se expandiu até o litoral, baseado na captura e venda de cativos, oriundos de guerras étnicas. Está região tomará um corpo tão preciso na rota de cativos, que será conhecida entres os séculos XVII e XVIII como Costa dos Escravos.
Línguas e Povos Africanos
O grande impulso do tráfico negreiro aumentou as atividades comerciais no interior, o que favoreceu o surgimento de uma nova classe mercantil. A região de Ndongo(atual Angola),atraia cada vez mais  comerciantes portugueses. Desta forma, o estímulo cada vez maior as guerras entre tribos foi sendo a principal arma dos portugueses para alavancar somas vultosas com o tráfico humano.

Rotas, Reinos e Estados Africanos até o século XVI

A Escravidão Africana na Colônia Brasileira
Como ficou claro na primeira parte do texto, a escravidão africana gerou lucros infinitos aos que dela participaram como apresadores de gente,seja  na própria áfrica, entre os africanos, seja aos comerciantes europeus. Mas como se deu as relações entre o escravo e seu senhor, fora do seu território de origem?
A sociedade colonial assentava-se na oposição entre senhores e escravos. Todos os demais grupos sociais definiam-se a partir deste dois primeiros e de acordo com sua proximidade ou distância desse núcleo fundamental.
Os senhores de engenho, lavradores,pequenos proprietários,comerciantes, fidalgos, clérigos, funcionários do império e soldados, constituíam  a classe de homens livres.
Os escravos eram propriedade, comprados da mesma forma que qualquer outro objeto.Tanto o seu trabalho como sua vida pessoal pertenciam ao seu dono. Como eram mercadorias, podiam ser vendidos, trocados, alugados,emprestados ou doados, segundo a necessidade de seu proprietário.Desta forma, era negado ao escravo constituir família,conviver com seus filhos ou parentes. A posse de muitos escravos, conferia ao senhor status e poder social.
Desde os primeiros tempos  da conquista até o século XIX, a escravidão foi a base de trabalho  no Brasil. A primeira tentativa de escravização, foi imposta aos indígenas e persistiu por todo período colonial,sendo mais predominantemente utilizada nos engenhos de açúcar até o século XVI. A partir da entrada de africanos, a mão de obra indígena se restringiu ao Nordeste, algumas capitanias do Norte e do Sul.
As expedições conhecidas como Bandeiras, tinham como objetivo principal descobrir minas de metais preciosos e apresamento de indígenas para a lavoura e outros trabalhos da terra. Mas a escravidão indígena, fugia da ordem mercantilista, que se estruturava  como ordem mundial. Tanto os traficantes de escravos, como o Estado absolutista não tinham controle sobre essa ordem econômica não gerando lucro a essa categoria social. Desta forma, a Igreja e o Estado passaram a condenar a escravidão dos negros da terra.

Bandeiras de Apressamento Indígena







Rotas de Apresamento Indígena






A Escravidão e a Política Econômica
Os grandes lucros avindos da escravidão africana foi  fundamental para o controle das terras conquistadas. Desde a instalação do Governo Geral, em 1548 com a chegada de Tomé de Souza, a vigilância sobre as atividades comerciais na colônia ficaram bem mais acirradas. O Estado Português, limitou a escravidão indígena, da qual não gerava lucros para a metrópole e para tal a presença dos padres jesuítas foi primordial neste controle.
Defensores da causa indígena, os padres direcionaram não só suas almas mas também sua força de trabalho. Os membros da Cia de Jesus, auxiliavam o Estado no exercício de poder sobre o colono e o apressamento indígena.
Não será a toa, que a Igreja lançará mão das escrituras sagradas que classificam os africanos como descendentes de Caim,filho de Noé, o irmão invejoso que matou Abel desonrando sua família. Desta forma, os africanos deveriam expiar seus pecados através do trabalho, por isso foram condenados à escravidão.
A retirada dos africanos de seu continente e a dura travessia pelo Atlântico, era segundos os clérigos,  o milagre da Providência Divina, já que receberiam o batismo, e a fé cristã. O africano escravizado, não estava sendo injustiçado, mas sim recebedor da graça divina da purificação. Poucos religiosos foram contrários a este auto de fé, a grande maioria dos religiosos e com as benções de Roma, eram favoráveis a esta maneira escabrosa de se salvar  almas.
A América seria o local ideal para que esses  “infames” purificassem suas almas, e assim depois de mortos entrarem no reino dos Céus. A colônia brasileira, tinha como papel básico ser o Purgatório de todos os pecados cometidos por esse "povo”.
Já os indígenas, segundo os padres jesuítas,permaneciam puros como nos Jardins do Éden. Andavam nus, mas não tinham malícia.Respeitavam as mulheres, as crianças e viviam em harmonia com a natureza. Só faltava a esses seres quase divinos, o conhecimento da fé Cristã.
A lógica desse discurso medonho é uma só: os africanos geravam um grande lucro, tanto aos comerciantes, quanto à Coroa e por isso deveriam perecer no cativeiro, já os indígenas fariam esses lucros sangrarem sem chegarem as mãos dos reis, por isso deveriam ser poupados da escravidão real, levados a uma escravidão branca, que geraria grandes lucros as ordens religiosas. Pois, todo trabalho executado pelos bugres da terra nas missões jesuíticas era, revertidos aos cofres de Roma e a própria Ordem dos Jesuítas. Desta forma, fica muito claro os interesses religiosos nas “santas alminhas indígenas”.

As Formas de Resistência Africana ao Cativeiro


Ataque ao Feitor ou Senhor


Apesar de todas as condições adversas e dos discursos religiosos legitimando a escravidão,os negros não assistiram pacíficos à destruição de sua s vidas. A resistência ao cativeiro e a toda violência dele advindo forjou  várias  formas de resistência. Os escravos promoviam sabotagem no processo de produção do açúcar, organizavam fugas coletivas ou individuais, assassinavam feitores e senhores, suicidavam como forma de dar prejuízo ao senhor, geravam revoltas nos engenhos e povoados. E ainda existiam os que sentiam banzo, uma espécie de depressão por saudade de sua terra original que levava o escravo a não render nos trabalhos da lavoura e até a morte por definhamento. Outra forma de resistência foi a preservação das crenças originais e ritos africanos, mesmo condenados pelo sistema colonial,os rituais de louvor a natureza, o Candomblé, se fez permanente nas senzalas. Muito comum para disfarçar a crença era unir os orixás aos santos católicos, dando origem ao sincretismo religioso. Também foram incorporados elementos dos ritos indígenas. O que de certa forma contribuiu para o nascimento de uma nova religião no Brasil: a Umbanda.
Porém, a forma mais eficaz e conhecida de resistência à escravidão, foi a formação de Quilombos. Após fugirem  em  grupos, estes se organizavam em pequenos acampamentos em áreas despovoadas e de difícil acesso.Para sobreviver, os quilombolas promoviam assaltos a viajantes,e ataques a povoados.


Resistência Cultural









Rebelião nos Engenhos
Para os grandes quilombos não iam apenas os negros, podiam se contar também com a presença de indígenas vitimados pelos ataques das Bandeiras, criminosos e outros tipos de marginalizados  da sociedade colonial. Nesses quilombos, havia agricultura de subsistência, criação de animais de pequeno porte,produção de artesanato e até armas para caça e pesca. Alguns quilombos de grande porte chegaram a  estabelecer relações comerciais com os povoados mais próximos, e na forma de escambo adquiriam armas de fogo, munição, ferramentas e outros produtos necessários a sobrevivência da comunidade.


Formação de Quilombo
A organização social dos Quilombos era estabelecida por uma elite guerreira, líderes da comunidade que promoviam a defesa  do espaço e ataques armados não só aos povoados como também as inúmeras tentativas de destruição do seu espaço.
Não era raro a manutenção da escravidão doméstica dentro dos quilombos nos mesmos moldes da escravidão das tribos africanas. Mas os quilombos foram a forma de maior resistência à escravidão e neles podia-se reproduzir as heranças culturais,seus hábitos e costumes de maneira livre do julgo colonial. Os quilombos constituíram-se nos efêmeros paraísos sobre a terra.
Podemos perceber claramente  as nuances das perseguições étnicas no Brasil colonial. A tônica etnocêntrica e a dominação católica deste período, infelizmente permanecem até os dias de hoje sobre as minorias (que nem tão minorias assim são) raciais.
No Brasil do século XXI, convivemos cotidianamente com as discriminações raciais sobre os negros e indígenas. No final do ano de 2012 e início de 2013  assistimos em SP, a matança indiscriminada de jovens negros da periferia. No RJ a expulsão grotesca dos indígenas que habitavam o abandonado prédio do ex museu do Índio(a Aldeia Maracanã), além de saber de inúmeras arbitrariedades promovidas contra os Guaranis-Kaiowás no Mato Grosso, o Alto Xingú ameaçado pelo próprio governo Federal, que deveria ter o compromisso de preservar sua cultura, mas deseja ardentemente construir uma Hidrelétrica, Belo Monte, que beneficiará apenas as grandes empresas ligadas ao agronegócio.
Enfim, ao final nos parece que ainda vivemos no período Moderno(séc XV a XVII), ligado ao grande preconceito étnico –cultural, forjado pelos interesses do grande capital.

Bibliografia:
SOUZA, Marina de Melo e. África e Brasil africano. In: CAMARGO, Rosiane de; MOCELLIN, Renato. História em debate. Volume 2. Ensino Médio. São Paulo: Editora do Brasil, 2010, p. 174.
CAMPOS, Flávio e CLARO, Regina. A Escrita da História-Vol.1, Edições Escala Educacional S/A,SP,2010- Capítulo 10: O Império Colonial Português Pags.290-300,mapas escaneados deste capítulo.

Por: Denise Oliveira, Março de 2013

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