Navio Negreiro ou Tumbeiros já que morriam inúmeros negros na viagem |
O
trabalho compulsório foi a marca da economia açucareira durante o processo de
ocupação e colonização do território brasileiro. Dentro da lógica
Mercantilista, que permeou os séculos XVI-XVIII, aonde o acúmulo de capitais
foi a tônica econômica. É neste contexto, que a África será explorada. Não só
seus recursos naturais vão gerar lucro as metrópoles que nela se estabeleceram,
mas a marca mais profunda do desrespeito étnico, imposto pelo etnocentrismo,
lógica que vigorou na Europa Modernista, aonde a etnia branca se julgava
superior as demais etnias espalhadas pelo Planeta e, agora descoberta através
do movimento marítimo.
Vamos
entender melhor esse momento, aonde pessoas, classificadas por sua cor de pele,
e com aval da Igreja Católica e Protestante se tornaram meras mercadorias, e
sua cultura, seus territórios e sua vida passaram a ser classificados apenas
como lucro.
A
Escravidão e o Escravismo
Os
europeus ao chegarem no continente africano deparam-se com a prática da
escravidão, mas o que se verificou com o tráfico atlântico, a partir do século
XV, não pode ser classificado como o mesmo fenômeno.
Durante
muito tempo, acreditou-se na ideia de que a escravidão ocorrida na África fora
mais branda e humanista se comparada à escravidão praticada na América até o
século XIX. Muitos defendiam a tese de que o cativo era absorvido pelo povo que
o capturava, caracterizando uma escravidão exclusivamente de cunho doméstico,
mas, conforme veremos, a escravidão na África não ocorria somente neste
formato.
Porém,
sabemos que a relação entre senhor e escravo, tanto na África como na América,
sempre foi baseada na violência, nos castigos e nas punições disciplinares.
Além disso, as pessoas foram retiradas dos meios em que viviam, separadas de
suas famílias, obrigadas a aprender outros idiomas e outros costumes, além de
terem sido humilhadas e torturadas. Todas essas características foram chamadas
de processo de desterritorialização, que ocorre quando indivíduos são retirados
à força de seus territórios para outros territórios muitas vezes inóspitos.
A escravidão africana se configurou como
cruel e desumana, segundo a historiadora Marina de Melo e Souza
“Desde os tempos mais antigos, alguns
homens escravizaram outros homens, que não eram vistos como seus semelhantes,
mas sim como inimigos e inferiores. A maior fonte de escravos sempre foram as
guerras, com os prisioneiros sendo postos a trabalhar ou sendo vendidos pelos
vencedores. Mas um homem podia perder seus direitos de membro da sociedade por
outros motivos, como a condenação por transgressão e crimes cometidos,
impossibilidade de pagar dívidas, ou mesmo de sobreviver independentemente por
falta de recursos. [...] A escravidão existiu em muitas sociedades africanas
bem antes de os europeus começarem a traficar escravos pelo oceano Atlântico”(SOUZA, 2006, p. 47 apudMOCELLIN;
CARMARGO, 2010, p. 174).
A escravidão africana poderia acontecer por
guerras, aonde o grupo vencido se tornava escravo do vencedor, já neste caso
era visto como inferior/derrotado. Por dívida,quando o devedor sem condição de
arcar com o pagamento, era escravizado pelo credor até que pagasse o devido com
seu trabalho ou como punição por crimes. Porém, a escravidão e as guerras se
tornaram mais freqüentes e lucrativas a partir da chegada do europeu.
A Indústria da Escravidão
O tráfico internacional de escravos marcou
uma gigantesca rede de comércio de seres humanos, o tráfico negreiro, e a montagem
de um sistema altamente lucrativo, o escravismo.
Na América recém ocupada pelos europeus, o
escravismo alçou grandes lucros, formando uma classe altamente enriquecida e
poderosa com essa atividade. Na África,o tráfico favoreceu a desorganização das estruturas políticas. A
partir do tráfico se estimulou rivalidades entre as inúmeras etnias que habitam
o continente , o que favoreceu, e ainda favorece a exploração das riquezas
naturais por países estrangeiros. Na
Europa, o acúmulo de capitais proporcionado pelo tráfico negreiro e pela produção
colonial foram os instrumentos principais de acumulação de capital para
alavancar o capitalismo.
África: Os Reinos e o Tráfico Negreiro
A região da Costa D’Ouro, era o principal
foco de atividades portuguesas no século XV, pois foi por esta rota, que os primeiros navegadores
começaram a descobrir novas terras e riquezas. Esta região estava repartida em
pequenos principados desde o século XII. Os povos costeiros faziam comércio com
os povos do interior através de escambo de sal, peixe, noz de cola, tecido,
ouro e cobre.Estas comunidades faziam parte do grupo etnolinguístico Akan e falavam a língua Kwa da família
Níger-kadorfaniana. A expansão deste reino
da costa para o interior, estará ligada à expansão do comércio negreiro.
No início o povo Achanti, utilizava suas reservas de ouro para adquirir armas de
fogo. Com o tráfico,passaram a exportar cativos em troca de munição e mais
armas, para promoverem mais guerras e gerar mais cativos.Desta forma, o reino
Achanti ,com o incentivo advindo dos lucros dos cativos passou a dominar toda a
região ao longo do século XVIII.
Na região do Golfo da Guiné, os europeus
também encontraram reinos formados no século XII.Esses reinos agrupavam povos
de língua Iorubá. O reino de Oyo, por sua localização entre a savana e a floresta,
controlava grande parte do comércio. Já o reino de Benin detinham o controle
sobre o marfim e a pimenta, agrupando ao longo dos incentivos vindos dos
europeus, o tráfico de cativos.
Os lucros advindos do tráfico negreiro
desencadearam uma série de conflitos
entre esses povos. As etnias já mantinham uma rivalidade natural, mas não
podemos deixar passar em branco, o incentivo e as provocações promovidas pelos
europeus. De início, ao perceberem essas rivalidades, as nações européias
promoviam, através de benefícios a um determinado grupo étnico em detrimento de
outros, o que acirrava as rivalidades. Vale lembrar que até hoje, em pleno
século XXI, as guerras étnicas que ainda varrem o continente africano,
beneficiam as nações européias. Mas recentemente, o Congo vive uma interminável guerra civil,
que gera lucros incalculáveis a
indústria de tecnologia, por conta a aquisição do coltan(principal matéria prima para a fabricação de computadores,
celulares,GPS,satélites e afins).
Do reino de Daomé, do povo fon, localizado na
região central, também se expandiu até o litoral, baseado na captura e venda de
cativos, oriundos de guerras étnicas. Está região tomará um corpo tão preciso
na rota de cativos, que será conhecida entres os séculos XVII e XVIII como Costa
dos Escravos.
O grande impulso do tráfico negreiro aumentou
as atividades comerciais no interior, o que favoreceu o surgimento de uma nova
classe mercantil. A região de Ndongo(atual Angola),atraia cada vez mais comerciantes portugueses. Desta forma, o
estímulo cada vez maior as guerras entre tribos foi sendo a principal arma dos
portugueses para alavancar somas vultosas com o tráfico humano.
A Escravidão Africana na Colônia Brasileira
Como ficou claro na primeira parte do texto,
a escravidão africana gerou lucros infinitos aos que dela participaram como
apresadores de gente,seja na própria
áfrica, entre os africanos, seja aos comerciantes europeus. Mas como se deu as
relações entre o escravo e seu senhor, fora do seu território de origem?
A sociedade colonial assentava-se na oposição
entre senhores e escravos. Todos os demais grupos sociais definiam-se a partir
deste dois primeiros e de acordo com sua proximidade ou distância desse núcleo
fundamental.
Os senhores de engenho, lavradores,pequenos
proprietários,comerciantes, fidalgos, clérigos, funcionários do império e
soldados, constituíam a classe de homens
livres.
Os escravos eram propriedade, comprados da
mesma forma que qualquer outro objeto.Tanto o seu trabalho como sua vida
pessoal pertenciam ao seu dono. Como eram mercadorias, podiam ser vendidos,
trocados, alugados,emprestados ou doados, segundo a necessidade de seu
proprietário.Desta forma, era negado ao escravo constituir família,conviver com
seus filhos ou parentes. A posse de muitos escravos, conferia ao senhor status
e poder social.
Desde os primeiros tempos da conquista até o século XIX, a escravidão
foi a base de trabalho no Brasil. A
primeira tentativa de escravização, foi imposta aos indígenas e persistiu por
todo período colonial,sendo mais predominantemente utilizada nos engenhos de
açúcar até o século XVI. A partir da entrada de africanos, a mão de obra
indígena se restringiu ao Nordeste, algumas capitanias do Norte e do Sul.
As expedições conhecidas como Bandeiras,
tinham como objetivo principal descobrir minas de metais preciosos e
apresamento de indígenas para a lavoura e outros trabalhos da terra. Mas a
escravidão indígena, fugia da ordem mercantilista, que se estruturava como ordem mundial. Tanto os traficantes de
escravos, como o Estado absolutista não tinham controle sobre essa ordem
econômica não gerando lucro a essa categoria social. Desta forma, a Igreja e o
Estado passaram a condenar a escravidão dos negros da terra.
Bandeiras de Apressamento Indígena |
Rotas de Apresamento Indígena |
A Escravidão e a Política Econômica
Os grandes lucros avindos da escravidão
africana foi fundamental para o controle
das terras conquistadas. Desde a instalação do Governo Geral, em 1548 com a
chegada de Tomé de Souza, a vigilância sobre as atividades comerciais na
colônia ficaram bem mais acirradas. O Estado Português, limitou a escravidão
indígena, da qual não gerava lucros para a metrópole e para tal a presença dos
padres jesuítas foi primordial neste controle.
Defensores da causa indígena, os padres
direcionaram não só suas almas mas também sua força de trabalho. Os membros da
Cia de Jesus, auxiliavam o Estado no exercício de poder sobre o colono e o
apressamento indígena.
Não será a toa, que a Igreja lançará mão das
escrituras sagradas que classificam os africanos como descendentes de
Caim,filho de Noé, o irmão invejoso que matou Abel desonrando sua família.
Desta forma, os africanos deveriam expiar seus pecados através do trabalho, por
isso foram condenados à escravidão.
A retirada dos africanos de seu continente e
a dura travessia pelo Atlântico, era segundos os clérigos, o milagre da Providência Divina, já que
receberiam o batismo, e a fé cristã. O africano escravizado, não estava sendo
injustiçado, mas sim recebedor da graça divina da purificação. Poucos
religiosos foram contrários a este auto de fé, a grande maioria dos religiosos
e com as benções de Roma, eram favoráveis a esta maneira escabrosa de se
salvar almas.
A América seria o local ideal para que
esses “infames” purificassem suas almas,
e assim depois de mortos entrarem no reino dos Céus. A colônia brasileira,
tinha como papel básico ser o Purgatório de todos os pecados cometidos por esse
"povo”.
Já os indígenas, segundo os padres
jesuítas,permaneciam puros como nos Jardins do Éden. Andavam nus, mas não
tinham malícia.Respeitavam as mulheres, as crianças e viviam em harmonia com a
natureza. Só faltava a esses seres quase divinos, o conhecimento da fé Cristã.
A lógica desse discurso medonho é uma só: os
africanos geravam um grande lucro, tanto aos comerciantes, quanto à Coroa e por
isso deveriam perecer no cativeiro, já os indígenas fariam esses lucros
sangrarem sem chegarem as mãos dos reis, por isso deveriam ser poupados da
escravidão real, levados a uma escravidão branca, que geraria grandes lucros as
ordens religiosas. Pois, todo trabalho executado pelos bugres da terra nas
missões jesuíticas era, revertidos aos cofres de Roma e a própria Ordem dos
Jesuítas. Desta forma, fica muito claro os interesses religiosos nas “santas
alminhas indígenas”.
As Formas de Resistência Africana ao Cativeiro
Apesar de todas as condições adversas e dos
discursos religiosos legitimando a escravidão,os negros não assistiram
pacíficos à destruição de sua s vidas. A resistência ao cativeiro e a toda
violência dele advindo forjou várias formas de resistência. Os escravos promoviam
sabotagem no processo de produção do açúcar, organizavam fugas coletivas ou
individuais, assassinavam feitores e senhores, suicidavam como forma de dar
prejuízo ao senhor, geravam revoltas nos engenhos e povoados. E ainda existiam
os que sentiam banzo, uma espécie de depressão por saudade de sua terra
original que levava o escravo a não render nos trabalhos da lavoura e até a
morte por definhamento. Outra forma de resistência foi a preservação das
crenças originais e ritos africanos, mesmo condenados pelo sistema colonial,os
rituais de louvor a natureza, o Candomblé, se fez permanente nas senzalas.
Muito comum para disfarçar a crença era unir os orixás aos santos católicos,
dando origem ao sincretismo religioso. Também foram incorporados elementos dos
ritos indígenas. O que de certa forma contribuiu para o nascimento de uma nova
religião no Brasil: a Umbanda.
Porém, a forma mais eficaz e conhecida de
resistência à escravidão, foi a formação de Quilombos. Após fugirem em
grupos, estes se organizavam em pequenos acampamentos em áreas
despovoadas e de difícil acesso.Para sobreviver, os quilombolas promoviam
assaltos a viajantes,e ataques a povoados.
Resistência Cultural |
Rebelião nos Engenhos |
Para os grandes quilombos não iam apenas os
negros, podiam se contar também com a presença de indígenas vitimados pelos
ataques das Bandeiras, criminosos e outros tipos de marginalizados da sociedade colonial. Nesses quilombos,
havia agricultura de subsistência, criação de animais de pequeno porte,produção
de artesanato e até armas para caça e pesca. Alguns quilombos de grande porte
chegaram a estabelecer relações
comerciais com os povoados mais próximos, e na forma de escambo adquiriam armas
de fogo, munição, ferramentas e outros produtos necessários a sobrevivência da
comunidade.
Formação de Quilombo |
A organização social dos Quilombos era
estabelecida por uma elite guerreira, líderes da comunidade que promoviam a
defesa do espaço e ataques armados não
só aos povoados como também as inúmeras tentativas de destruição do seu espaço.
Não era raro a manutenção da escravidão
doméstica dentro dos quilombos nos mesmos moldes da escravidão das tribos
africanas. Mas os quilombos foram a forma de maior resistência à escravidão e
neles podia-se reproduzir as heranças culturais,seus hábitos e costumes de
maneira livre do julgo colonial. Os quilombos constituíram-se nos efêmeros
paraísos sobre a terra.
Podemos perceber claramente as nuances das perseguições étnicas no Brasil
colonial. A tônica etnocêntrica e a dominação católica deste período, infelizmente
permanecem até os dias de hoje sobre as minorias (que nem tão minorias assim
são) raciais.
No Brasil do século XXI, convivemos
cotidianamente com as discriminações raciais sobre os negros e indígenas. No
final do ano de 2012 e início de 2013
assistimos em SP, a matança indiscriminada de jovens negros da
periferia. No RJ a expulsão grotesca dos indígenas que habitavam o abandonado
prédio do ex museu do Índio(a Aldeia Maracanã), além de saber de inúmeras
arbitrariedades promovidas contra os Guaranis-Kaiowás no Mato Grosso, o Alto
Xingú ameaçado pelo próprio governo Federal, que deveria ter o compromisso de
preservar sua cultura, mas deseja ardentemente construir uma Hidrelétrica, Belo
Monte, que beneficiará apenas as grandes empresas ligadas ao agronegócio.
Enfim, ao final nos parece que ainda vivemos
no período Moderno(séc XV a XVII), ligado ao grande preconceito étnico
–cultural, forjado pelos interesses do grande capital.
Bibliografia:
SOUZA,
Marina de Melo e. África e Brasil africano. In: CAMARGO, Rosiane de; MOCELLIN,
Renato. História em debate. Volume
2. Ensino Médio. São Paulo: Editora do Brasil, 2010, p. 174.
CAMPOS,
Flávio e CLARO, Regina. A Escrita da História-Vol.1, Edições Escala Educacional
S/A,SP,2010- Capítulo 10: O Império Colonial Português Pags.290-300,mapas
escaneados deste capítulo.
Por: Denise Oliveira, Março de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário