Brasil - Le Monde
Diplomatique - [Roberto Franklin de Leão] A
história da educação no Brasil é marcada por descasos, improvisações e
exploração da força laboral dos trabalhadores escolares, fatos intrínsecos ao
modelo de colonização que deu origem ao patrimonialismo estatal e à
disseminação de misérias até hoje não superadas pelo país
Num breve contexto histórico, a
educação formal no Brasil surgiu cinquenta anos após o Descobrimento e se deu
por meio de concessão da Coroa portuguesa à Companhia de Jesus. Naquela época,
os padres e irmãos-coadjutores eram responsáveis pelo trabalho escolar, e suas
rendas (ou sustento) provinham de dízimos e das atividades pecuárias
desenvolvidas nas fazendas da Igreja. Somente em 1759, com a expulsão dos
jesuítas do Brasil, o governo da colônia passou a se responsabilizar pela
oferta educacional, nomeando professores e remunerando-os uma única vez por ano
– condição de quase flagelo que exigia dos mestres outras fontes de recursos
para arcar com seus compromissos cotidianos.
Durante a Primeira República
(1889-1930), o modelo escolar elitista, já praticado no Império independente de
Portugal, regeu a oferta pública educacional, e os professores, em número
bastante reduzido – sendo a maior parte composta de profissionais liberais ou
servidores públicos que tinham o magistério como segunda atividade econômica,
com exceção das normalistas responsáveis pelas classes de primeiras letras –,
gozaram de melhores remunerações e condições de trabalho.
O êxodo rural e a industrialização,
dois fatores que mudaram a estrutura da sociedade brasileira na primeira metade
do século XX, pressionaram o Estado a ofertar ensino público para atender às
demandas sociais e econômicas do país. Porém, os interesses das elites
dominantes prevaleceram desde então, no sentido de não se optar pela construção
de um sistema público de ensino com qualidade. Concedeu-se ao povo o acesso às
escolas de primeiras letras com o único objetivo de qualificar minimamente os
trabalhadores e seus filhos para o crescente e diversificado trabalho urbano.
Nessa nova fase, a formação
profissional do professor ganhou destaque, e as normalistas – em geral mulheres
oriundas da classe média e com formação de nível médio – passaram a ser
protagonistas no processo da educação popular. Por outro lado, o primeiro curso
de graduação voltado à formação do magistério surgiu apenas em 1934, com a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
Embora as normalistas constituíssem
uma emergente classe no mundo do trabalho, acompanhada de profissionais que
viviam exclusivamente da renda obtida com o exercício do magistério, fato é que
o Estado brasileiro (leia-se, elites) atendeu à crescente demanda social por escola
pública sem investir recursos financeiros necessários para manter o padrão de
qualidade do modelo elitista da Primeira República. A estratégia centrou-se na
posição desprivilegiada da mulher na sociedade – ainda hoje a maior força de
trabalho na escola básica, com quase 90% de ocupação dos postos na educação
infantil e fundamental – para fracionar a jornada de trabalho, reduzir os
salários e precarizar as condições de trabalho, sobretudo por meio de salas
superlotadas. A jornada escolar dos estudantes também foi fracionada para que a
escola dispusesse de mais espaços físicos (uma única escola chegou a comportar
quatro turnos diários) para atender um imenso contingente de crianças, jovens e
adultos analfabetos.
Essa estrutura de improvisação do
currículo, dos tempos pedagógicos e de exploração do magistério – e até aqui
nem se cogitava reconhecer ou valorizar os funcionários escolares (merendeiras,
vigias, secretários, zeladores, entre outros) – predominou na cultura de nossa
sociedade, não obstante a incessante luta dos trabalhadores em educação
inaugurada no início da década de 1940.
Outro agravante no cenário da
desvalorização da educação e de seus profissionais reside na própria estrutura
federativa, que no Brasil sempre impôs sérias contingências a estados e
municípios – responsáveis diretos pelo financiamento da educação pública de
nível básico (0 a 17 anos). Ainda no Império, ciente de que a ajuda do poder
central era decisiva para melhorar as condições de aprendizagem dos estudantes
e de trabalho dos educadores, em 1822, mesmo antes da proclamação da
independência, o Poder Legislativo aprovou lei estabelecendo piso nacional para
o magistério. Todavia, em razão da escassa contribuição financeira do Império
às províncias, a lei acabou sendo renegada pelos gestores públicos.
Quase dois séculos depois, em 2008,
os trabalhadores em educação tiveram novamente a oportunidade de contar com uma
lei federal que estabeleceu o piso nacional para o magistério, cujo valor é a
referência mínima para os planos de carreira de cada uma das esferas da
administração pública que contratam professores no nível básico (federal,
estadual, distrital e municipal).
A referida lei é justificada por
diversas razões, sobretudo do ponto de vista comparativo:
1º) Pesquisa da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2009 revelou que o professor
brasileiro do ensino fundamental 2 (6º a 9º ano) ganhou, em média, US$ 16,3 mil
naquele ano. Enquanto isso, na média, um professor com formação e tempo de
serviço equivalente recebeu US$ 41,7 mil nos países da OCDE.
2º) Dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad-2009), do IBGE, que embasaram o projeto de lei do
novo Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação no Congresso Nacional,
apontaram que o professor da educação básica é o profissional menos valorizado
no Brasil. Sua renda média anual equivale a 40% da dos demais profissionais com
mesmo nível de escolaridade, e o PNE sugere igualar essa renda num prazo de
seis anos – o que é um imenso desafio!
3º) O Brasil ainda detém uma das
menores remunerações em início de carreira do mundo (US$ 783), estando atrás de
Costa Rica (US$ 1.474,53) e Argentina (US$ 1.131,31), porém superando Chile
(US$ 780), Colômbia (US$ 745) e Nicarágua (US$ 199,17), do ponto de vista da
América Latina. Importante ressaltar que, até meados de 1990, vários estados e
municípios do Brasil remuneravam seus professores abaixo de US$ 100. E, mesmo
com a superação dessa condição indigna, o patamar atual está muito aquém do
potencial de quem detém a sexta economia do mundo, sendo preciso, acima de
tudo, resgatar o valor social dessa importante profissão que já sofre com
preocupantes déficits nas áreas de exatas, biologia, artes e língua
estrangeira.
A luta da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE), desde a aprovação da Lei n. 11.738 e do
julgamento de mérito à ação direta de inconstitucionalidade movida por
governadores contrários à lei do piso – que acabaram derrotados no Supremo
Tribunal Federal –, é pela imediata e integral aplicação do piso nacional do
magistério em todos os entes da federação. A referida lei concilia remuneração,
formação e jornada de trabalho, constituindo um primeiro instrumento efetivo de
política pública capaz de reverter a histórica desvalorização do magistério. A
CNTE também luta pela extensão do piso aos demais profissionais da educação
como forma de assegurar uma educação pública de qualidade para todos os
brasileiros e brasileiras, capaz de garantir o desenvolvimento inclusivo,
soberano e com igualdade social.
Matéria publicada no informativo:www.diarioliberdade.org em 12/03/2013
Publicada na íntegra/Por:Denise Oliveira-março de 2013
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