sábado, 11 de dezembro de 2010
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
A Origem do Natal
No último mês do ano resolvi escrever um artigo mais leve, nada de guerras e disputas sociais. Quero falar um pouco da mais tradicional festa religiosa do mundo ocidental. O Natal.
As origens das comemorações natalinas datam da antiguidade em mais ou menos 2.000 anos, na Mesopotâmia (hoje região conhecida como Oriente Médio que abrange os países como Irã, Iraque,Kwuit, Arábia Saudita). Nesta época acreditava-se que com a chegada do inverno (Zagmuk), o deus Marduk enfrentariam monstros e para derrotá-los o rei deveria morrer para, junto à Marduk lutaria contra esses tais monstros.
Para poupar a vida do rei, um criminoso comum era vestido como rei e passava um período de festividades, até que seria morto e levaria os pecados do povo com ele para a grande batalha ao lado do grande Marduk. Esse ritual durava 12 dias, e era conhecido como Festival de Ano Novo.
Da região da Mesopotâmia nasceram outras culturas que nela se inspiraram como os gregos e romanos. Para os gregos o festival celebrava a luta de Zeus conta o Titã, e para os romanos o festival homenageava o deus Saturno. A festa iniciava-se em 17 de dezembro estendendo-se até 1° de janeiro. Essa época do ano, na Europa e Ásia é conhecida como solstício (período em que o sol está mais fraco, e segundo os cálculos dos romanos o dia 25 era o dia mais curto do ano, porém a partir daí o sol estaria pronto para recomeçar a crescer e trazer novamente vida à Terra.
Após a cristianização do Império Romano, o Natal passou a ser comemorado em 25 de dezembro. Essa Celebração foi criada pelo Papa Libério, no ano de 345 d.C. , porém sabemos que essa data não é real,na verdade ninguém sabe quando Jesus nasceu, deduz-se que Jesus tenha nascido antes da chegada do inverno, já que na Judéia costumava nevar e chover no período do inverno, e Jesus não nasceu numa noite chuvosa e muito menos com nevasca, já que Maria não conseguiria tê-lo numa simples manjedoura se o clima fosse esse. Morreriam mãe e filho de frio. A Igreja utilizou as festividades pagãs já existentes, para aí sim, introduzir o cristianismo na cultura desses povos.
Nas festividades romanas era comum a troca de presentes, o que a Igreja incorporou nas festividades natalina, Além de não entrar em rota de colisão com os povos pagãos, a Igreja, conseguiu ao longo do tempo sufocar as festas e a religiosidade desses povos e fazer com que o Natal se tornasse a maior festa religiosa do mundo.
Fonte de pesquisa:
http://www.netsaber.com.br/
Por Denise Oliveira, dezembro de 2010
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sábado, 6 de novembro de 2010
A Primeira Guerra Mundial 1914/1918
Por que produzir um texto sobre I Guerra Mundial, se quase todo mundo só fala em Segunda Guerra e os horrores do Holocausto?
Por isso mesmo, por achar que a História não dá a devida atenção ao conflito que inaugurou duas grandes novidades em questão bélica: o envolvimento de várias nações e continentes ao mesmo tempo em um só conflito, e o uso da tecnologia desenvolvida no bojo da Revolução Industrial, aliás a grande responsável pelo maior conflito do início do Século XX.
Até o Conflito de 1914/1918, as guerras eram em território fechado e afetava pouco as populações civis, pois não se usava aviões(até porque eles não existiam) e os artefatos bélicos eram menos mortíferos. Com exceção do período Napoleônico, que realmente engalfinhou todos os países europeus em um só conflito, a Primeira Guerra se supera por sua violência e no vale tudo que se propuseram os aliados na destruição da Alemanha.
Antecedentes:
Sistema de Alianças:
Desde a sua unificação a Alemanha previa problemas, pois ao entrar tardiamente na corrida colonialista, já não mais encontrou territórios disponíveis para sua expansão comercial, sendo assim necessário apoiar-se em outras nações na expectativa de que com um confronto, o capitalismo alemão conseguisse um lugar ao sol.
Inglaterra, França e Rússia também tinham interesses colonialistas e a união dessas três nações serviria para impedir o avanço do Império Áustro-Hungaro e Otomano nas regiões de interesse dessas nações. Assim nascem as Alianças.
Tríplice Aliança: 1879- Alemanha e Áustro-Hungria assinam um tratado de cooperação mútua, e em 1882, a Itália se une a esses dois países, fechando assim a Tríplice Aliança. O problema dessa aliança era a Itália, que não definia sua posição, e no decorrer da I Guerra (1916) mudou de lado apoiado os Aliados.
Tríplice Entente: 1894 a Rússia assina um acordo de cooperação mútua com a França, e em 1904 a Inglaterra se une as duas nações formando a Entende(Entente Cordiale).
Imperialismo
O final do século XIX, principalmente após a Conferência de Berlim, realizada entre novembro de 1884 e fevereiro de 1885,pelo Chanceler alemão Otto Von Bismark, teve como principal objetivo organizar normas para a ocupação da África pelas potências coloniais, que dividiram o continente a sua revelia sem respeitar as diferenças históricas, éticas e familiares pertinentes aos africanos.
Outro fator também complicado foi a política diplomática internacional dos norte-americanos, definida por Theodore Roosevelt como “Big Stick” e pronunciada em seu discurso de 1901, aonde Roosevelt declara a seguinte frase “ Fale com suavidade, mas tenha um porrete nas mãos”.
O que marcaria o fim da Belle Époque, ou seja, o período de prosperidade da burguesia em detrimento da miséria que condenava as classes operárias. E o início de período foi caracterizado pela corrida armamentista, conhecido por "Paz Armada", várias nações instituíram o serviço militar obrigatório e os exércitos passaram a ter maior influência na vida política. Esse processo deveu-se ao desenvolvimento do capitalismo monopolista e do neocolonialismo, que caracterizam o imperialismo. As grandes potências industriais adotaram a política expansionista para garantir o controle sobre os mercados afro-asiáticos, a partir da concepção de que o desenvolvimento industrial da cada nação somente seria possível na medida em que houvesse o controle sobre grandes mercados.Essa mentalidade imperialista foi responsável não só pelo militarismo, como também por maior exaltação nacionalista.
Nacionalismo
O Nacioalismo vai se desevolver de forma desigual na Europa, com base na própria formação imperialista das nações e seus interesses.
Na Itália o sentimento nacionalista esteve presente nas duas grandes revoluções do século XIX, durante as revoluções liberais de 1830 e 1848, e no processo que culminou a unificação do país em 1861, sendo Veneza anexada em 1866 e Roma em 1870.
Na França o nacionalismo esteve presente na Revolução Francesa, manifestado principalmente o ideal de fraternidade, se bem que a revolução agudizou a luta de classes, enquanto na Alemanha e na Itália, as unificações baseadas no discurso nacionalista cumpriu o papel inverso, o de encobrir as desigualdades sociais, característica fundamental do nacionalismo.
Mesmo nos EUA, onde não existia um nacionalismo clássico, este encontrou seu equivalente na Teoria do Destino Manifesto, de origem calvinista, que serviu como justificativa ideológica para o expansionismo ao longo do século XIX e para a formação de sua política intervencionista, a política diplomática internacional dos norte-americanos, definida por Theodore Roosevelt como “Big Stick”.
Revanchismo
O revanchismo francês desenvolveu-se após a humilhação de 1871, quando da proclamação do II Reich Alemão no Palácio de Versalhes e perda das ricas regiões de minério e carvão da Alsácia-Lorena. Nas escolas as crianças francesas foram estimuladas a exaltar o patriotismo e a aceitar o sacrifício pelo seu país. Na verdade esse revanchismo não deixa de ser uma manifestação nacionalista que desenvolveu-se ao mesmo tempo em que as estruturas políticas do país foram se tornando mais liberais, possibilitando maior participação, estimulando o senso crítico e a noção de cidadania, portanto situação contrária vivida pela Alemanha, onde o nacionalismo seguiu a orientação de um estado centralizado e forte.
Pan Eslavismo
Desde o final do século XIX, com a decadência do Império Turco e o processo de independência dos povos da região balcânica, é que esse território tornou-se alvo de múltiplos interesses. A Áustria pretendia ampliar sua influência sobre a região e iniciar um processo de expansão. A mesma política foi desenvolvida pelos russos, afastados do Extremo Oriente após a derrota para o Japão em 1905, voltaram as atenções para os Bálcãs, onde a política russa foi de apoio à Sérvia, foco de agitação nacionalista anti-austríaca que utilizaram o argumento "pan-eslavista", e haviam ainda os interesses peculiares à própria região, em especial o dos sérvios, que desejavam criar a “Grande Sérvia”,dentro deste desejo a Sérvia fomentava agitações nacionalistas, sendo constante os atritos, levando quase a um conflito armado em 1908, quando a Áustria ocupou a Bósnia-Herzegovina, e em 1912 quando apoiou a independência da Albânia, nas chamadas Primeira e Segunda guerras Balcânicas.
É neste contexto que o arqueduque da Áustria, Francisco Ferdinando é assassinado em Sarejo,capital da Bósnia, em 28 de junho de 1914, pelo jovem nacionalista sérvio Gavrilo Princip. O interessante é que esse episódio seja a chave que romperá a Grande Guerra, já que Ferdinado não era a pessoa mais indicada para assumir o troco austríaco, não contava com o apoio da eleite austríaca e nem mesmo do seu tio, o imperador Francisco José.
O que podemos avaliar são os interesses da Alemanha, em por mais lenha na fogueira da crise de julho por saber que a Rússia interveria a favor da Sérvia, e junto da Rússia, a França e Inglaterra teriam que vir juntas, já que faziam parte da Tríplice Enntente.
A partir daí os acontecimentos se precipitaram:
Áustria, apoiada pela Alemanha, enviou um ultimato à Sérvia, o qual, não sendo atendido integralmente, levou os austríacos a declararem a guerra; Rússia mobilizou as tropas em defesa da Sérvia, recebendo um ultimato alemão para se desmobilizar; em 1 ° de agosto a Alemanha declarou guerra à Rússia e, dois dias após, à França; imediatamente a Bélgica foi invadida, ignorando pela Alemanha a sua neutralidade, o que levou em 4 de agosto, a Inglaterra a declarar-lhe guerra; a Itália se omitiu, embora pertencesse à Tríplice Aliança, argumentando que o seu compromisso com a Áustria e com a Alemanha previa sua participação apenas no caso de tais países serem agredidos.
Mapa da Europa antes da I Guerra |
Em 1914, a tendência principal foi dada pela ofensiva alemã na frente ocidental, com a penetração em território francês, e pelo avanço nos Bálcãs, onde a presença turca foi essencial. Entretanto, em setembro a ameaça que pesava sobre Paris foi detida pela batalha do Marne, que levou à estabilização da frente ocidental. Por terra, a Alemanha foi bloqueada pelos Aliados e suas colônias ocupadas, ao mesmo tempo em que os alemães iniciavam a campanha submarina, provocando enormes perdas dos Aliados. Na frente oriental, a ofensiva russa foi detida pelas vitórias alemãs nos Lagos Mazurinos e em Tannenberg.
Guerra de Trincheira
Compreendendo os anos de 1915 e 1916, o período caracterizou-se na frente ocidental pela “guerra de trincheiras”. O ano de 1915 foi marcado por gigantesca ofensiva alemã na frente ocidental visando eliminar a Rússia, antes de se voltar contra a França.
Os exércitos russos começaram a se desagregar. Há um excessivo número de baixas entre os soldados russos, e não era de se esperar outra coisa, já que estavam mal armados, com roupas inadequadas ao rigoroso inverno e com poucas provisões. Na verdade para a Rússia, a I Guerra foi uma aventura desagradável, e causou ao regime czarista o seu fim, já que em 1917 em plena Guerra, a Rússia sofre a Revolução Bolchevique que derrubará o czar Nicolau II e porá fim ao regime absolutista russo, criando a primeira nação socialista no mundo.
Nesse mesmo ano, a Itália entrou na guerra a favor dos Aliados, em troca de promessas inglesas de participar da partilha das colônias alemãs na África, receber vantagens territoriais na Ásia Menor e uma posição dominante no Adriático: isto permitiu a abertura e nova frente. A Bulgária aderiu às Potências Centrais(Tríplice Aliança).
A partir de 1916, o principal cenário da guerra foi à frente ocidental, onde se defrontavam franceses e alemães, destacando-se a batalha de Verdun, que paralisou a ofensiva germânica e a sangrenta batalha de Somme, que contabilizou 1 milhão de vidas de ambos os lados. Na Europa Oriental, a Entente realizou uma ofensiva que estimulou a entrada, ao lado dos Aliados, da Romênia, logo ocupada pelas Potências Centrais.
1917, um ano decisivo
O Ano de 1917, é marcado pela reviravolta no cenário de guerra, a Rússia deixa o conflito após os bolcheviques assinarem o Tratado de Brest-Litovsk, aonde os territórios ocupados pelos exércitos alemães ficaram com a Tríplice Aliança.
Os E.U.A entram no conflito após ter vários navios afundados pelos alemães. Os norte-americanos entram ao lado da Tríplice Entente, num momento crucial para a guerra, já que os países envolvidos sofriam pesadas críticas da sociedade por conta do número absurdo de baixas e da falta de abastecimento.
Na França tropas amotinadas devido o fracasso na ofensiva de Sommer. Inglaterra a beira de um colapso financeiro e mesmo a Alemanha enfrentava problemas, pois sua campanha submarina fracassa causando desabastecimento nas linhas de combate. O caos estava imperando.
A contribuição norte-americana foi decisiva: financeiramente, os EUA passaram a auxiliar diretamente os países da Entente; economicamente, foi um golpe na campanha submarina da Alemanha, que passou a ser bloqueada, ao mesmo tempo que, a entrada em cena dos contingentes norte-americanos quebrou o equilíbrio, já precário, mantida pelas Potências Centrais; diplomaticamente, a maioria dos países da América Latina declarou guerra às Potências Centrais.
1918 – Vitória final do Aliados
O inicio de 1918 foi inaugurado pela enorme ofensiva das Potências Centrais contra a Entente, visando impor condições a esta, antes que as tropas norte-americanas chegassem totalmente à Europa. Nesse ano, foram utilizadas todas as inovações bélicas (tanques, aviões, gases venenosos etc.), recomeçando a “guerra de movimento”. Entretanto, a ofensiva alemã foi paralisada pela segunda batalha do Marne. A balança de forças se inclinou definitivamente para a Entente, que iniciou uma contra-ofensiva de grandes proporções, levando os alemães ao recuo.
Na Europa Oriental, a Bulgária capitulou, o mesmo ocorrendo com a Turquia que, ameaçada pelas vitórias inglesas na Síria e no Iraque, decidiu depor as armas. A Hungria foi ameaçada e os italianos em Vittorio Veneto iniciaram grande ofensiva. O Império Austro-Húngaro se decompôs, pois cada nação proclamou sua independência. Só a Alemanha prosseguiu a guerra, mas a partir de novembro estouraram rebeliões da esquerda e, a 9 de novembro, a República foi proclamada.
A 11 de novembro, os representantes do Governo Provisório alemão assinaram em Rethondes o armistício que punha fim à guerra.
Mapa da Europa após a I Guerra Mundial |
A Economia de Guerra
Por ter sido uma guerra longa, quatro anos de conflito e por ter sido generalizado, a Primeira Grande Guerra gerou uma série de mudanças na atitude do Estado em relação à economia. Se antes da guerra o que valia era a livre concorrência, a exploração de matérias primas das colônias e da boa vida da burguesia em detrimento à miséria do operário, agora cada Estado passa a controlar ou a submeter à sua autoridade em relação à economia.
Os problemas econômicos gerados pelo conflito:
Recrutamento obrigatoriamente de civis, pois as batalhas sistemáticas levaram a esgotar as reservas de militares de carreira.
Modernizaram e intensificaram a produção de material bélico; utilização em larga escala da mão-de-obra feminina e a regulamentação de seu emprego.
A economia de guerra, que suprimiu a liberdade econômica, incluiu a fixação dos preços de venda das mercadorias e o racionamento mediante o estabelecimento de cotas de consumo à população civil. Proibia-se a importação de produtos de primeira necessidade e se controlavam os transportes, inclusive com o congelamento dos fretes. As fábricas deveriam produzir apenas artigos de guerra, os salários ficaram congelados e proibidas as greves.
O financiamento da guerra ultrapassou as expectativas, tendo os Estados recorrido aos empréstimos externos e internos, destacando-se também o problema dos abastecimentos: pela primeira vez na História adotou-se o racionamento, iniciado na Alemanha e estendido a todos os países. A vida tornou-se muito difícil para a população civil, que teve seu poder aquisitivo diminuído com a alta desenfreada dos preços e o congelamento salarial em um momento em que a greve era proibida por ser considerada atividade “antipatriótica”.
Tratado de Versalhes
Em 11 de novembro de 1918, exausta e sozinha a Alemanha sofre uma revolução interna, que derruba o Kaiser Guilherme II e levam os sociais democratas ao poder. Tendo claro que a guerra era imperialista, os socias democratas aceitam o armistício que os acaba levando à derrota incondicional.
Na verdade a Alemanha não estava tão mal assim no conflito, possuía territórios russos, conferido no tratado de Brest-Litovsk, além de estar bem avançada em territórios franceses e belgas. Por esses motivos o Acordo de Paz deixou a população alemã bastante descontente e humilhada.
As figuras principais da Conferência foram os representantes da França (Clejnenceau), Inglaterra (Lloyd George) e Estados Unidos ( Wilson) que concordaram em fundar a Sociedade das Nações.
Além da divisão entre os vencedores, dificultando a paz, os países vencidos se recusavam a assinar os injustos tratados impostos, procurando a Alemanha, por todos os meios, ludibriar as determinações neles contidas. A Áustria e a Hungria não se conformaram com os tratados, que reduziram a primeira a um “anão disforme”. A Bulgária não aceitou a perda de portos do Egeu e, na Turquia, o governo dos Jovens Turcos, chefiado por Mustafá Kemal, que havia deposto o Sultão, recusou-se a aceitar a “humilhação do Tratado de Sèvres”.
Mas todos os vencidos tiveram que aceitar os tratados.
Cláusulas de segurança (exigidas pela França, que temia a desforra dos alemães: proibição de fortificar ou alojar tropas na margem esquerda do Reno, totalmente desmilitarizada; fiscalização do seu desarmamento por uma comissão interaliada; em caso de agressão alemã à França, esta receberia auxílio anglo-norte-americano; redução dos efetivos militares; supressão do serviço militar obrigatório, sendo o recrutamento feito pelo sistema do voluntariado; supressão da marinha de guerra e proibição de possuir submarinos, aviação de guerra e naval, e artilharia pesada;
Clausulas territoriais: devolução da Alsácia - Lorena à França, de Eupen e Malmédy à Bélgica, do Slesvig à Dinamarca; entrega de parte da Alta Silésia à Checoslováquia; cessão da Pomerânia e dá Posnânia à Polônia, garantindo-lhe uma saída para o mar, mas partindo em dois o território alemão pelo corredor polonês; renúncia a todas as colônias que foram atribuídas principalmente à França e à Inglaterra; entrega de Dantzig, importante porto do Báltico, à Liga das Nações, que confiou sua administração à Polônia;
Cláusulas econômico-financeiras: a título de reparação, deveria entregar locomotivas, parte da marinha mercante, cabeças de gado, produtos químicos; entrega à França da região do Sane, com o direito de explorar as jazidas carboníferas ali existentes, durante 15 anos; durante dez anos, fornecimento de determinada tonelagem de carvão à França, Bélgica e Itália; como “culpada pela guerra”, pagaria, no prazo de 30 anos, os danos materiais sofridos pelos Aliados, cujo montante seria calculado por uma Comissão de Reparações (em 1921, foi fixado em 400 bilhões de marcos); concessão do privilégio alfandegário de “nação mais favorecida” aos Aliados;
Cláusulas diversas: reconhecimento da independência da Polônia e da Tchecoslováquiá; proibição de se unir à Áustria; responsabilidade pela violação das leis e usos da guerra: utilização de gases venenosos e atrocidades diversas; reconhecimento dos demais tratados assinados.
Na verdade o Tratado de Versalhes abrirá novas feridas na Alemanha e com a crise de 1929,que levaram as grandes potências a beira da falência, será um prato cheio de ódio que resultará no surgimento do Nazismo, e que em 20 anos levará a Europa a um novo conflito mundial, muito mais cruel e desastroso que o anterior.
Bibliografia:
www.culturabrasil.po.br
www.suapesquisa.com
Revista BBC História, fascículo 10 – PP 10, 11, 13 e 26
Por: Denise Oliveira -novembro 2010
domingo, 3 de outubro de 2010
Frutos da Revolução
A Revolução Francesa(1789/1799) abriu espaço para inúmeros levantes na Europa no decorrer do século XIX. Essa onda de revoltas liberais levou o nome de Primavera dos Povos,e chacoalhou o continente europeu no ano de 1848.
Liberdade e Nacionalismo
Naquela época, a maioria dos liberais acreditavam que a unidade e soberania Nacional eram condições essenciais para assegurar os direitos individuais e a dignidade dos cidadãos. Assim, quando um dos maiores visionários do século 19, o revolucionário italiano Guisepe Mazzini, fundou a organização jovem Itália, em 1831, ele declarou que seus objetivos eram "republicanos e unitaristas", porque somente um governo republicano iria assegurar liberdade para todos, enquanto que a unidade era necessária pois "sem ela não existe uma nação."
Assim como Mazzini, outros idealistas descontentes haviam surgido depois das Guerras Napoleônicas para derrubar a ordem conservadora por meio de conspiração e insurreição. Depois de Waterloo, havia um conflito crescente de um lado, a oposição liberal, formada por sociedades revolucionárias secretas, que promoviam atentados e incitavam levantes, e pelo jornalismo radical, responsável pela crítica intelectual; do outro a repressão governamental sob forma de censura, prisões, vigilância e intervenção militar.
A década de 1820 viu rebeliões liberais na Espanha, Portugal, Itália, Rússia, nenhuma delas bem-sucedida. Já na década de 1830, a onda de insurreições que assolou o continente foi um pouco mais encorajadora, com liberais emergindo vitoriosos em boa parte da Europa ocidental, incluindo França(onde Carlos X, da dinastia dos Bourbons, foi derrubado e substituído pelo mais liberal Luís Felipe I, duque d'Orleans), Bélgica, Portugal e Espanha. Na Polônia e Itália central, entretanto os movimentos foram cruelmente reprimidos, e depois de algumas atividades liberais na Alemanha também foram sufocadas. A Ordem conservadora havia se curvado, mas não desmoronado. Nos dez anos seguintes, no entanto a história seria um pouco diferente.
O ano dos confrontos
Na metade da década de 1840, aconteceu a pior crise econômica do século 19, o que popularizou a oposição liberal. Enquanto isso, a ordem conservadora parecia impotente frente ao aumento do desemprego e à fome que castigava os mais pobres. Liberais por toda Europa aumentavam a pressão sobre os governos, exigindo reformas políticas. O ano de 1848 chegou e logo vieram os primeiros sinais de que algo grande estava por vir, com ações rebeldes na Itália . Mas foi da França que veio o grande estopim, uma nova revolução derrubou a monarquia e proclamou a segunda república em 24 de fevereiro.
As notícias enviadas de Paris funcionaram como uma descarga elétrica para os liberais, em questão de semanas Berlim, Viena, Milão,Praga,Budapeste, Veneza, Roma,Napóles, Palermo, Cracóvia e muitos outros lugares tornaram-se palco de protestos , em massa com barricadas nas ruas e árduas batalhas. Cheios de esperança, os rebeldes na Alemanha e na Itália trabalhavam pela unificação de seus países, enquanto que os patriotas poloneses e romenos lutaram para se livrar da opressão de governos estrangeiros. Da mesma forma, os tchecos, os húngaros, os italianos do norte, os poloneses da Galícia, os romenos da Transilvânia, os sérvios e os croatas exigiram do Império Austríaco maior autonomia ou total independência. Em cada um desses países, os governos foram forçados a promover a elaboração de novas constituições.(...)
Essa onda de revoluções de 1848, que entrou para a História como Primavera dos Povos representou uma tremenda oportunidade para assegurar a autonomia nacional, liberdade constitucional e direitos individuais. Em muitos países, camponeses e trabalhadores desfrutavam pela primeira vez de participação política, votando em eleições, filiando-se a partidos e formando uniões comerciais. (...)
No entanto a nova ordem já nascia com os dias contados. A principal razão para o seu fracasso foi o fato dela excluir muitos do mundo novo que propunha. Os liberais agarraram a oportunidade de concretizar suas visões de liberdade nacional, mas o fizeram apenas contemplando seus interesses. Em muitas regiões houve choque entre reivindicações territoriais de nacionalidades diferentes.(...) Assim, a Primavera dos Povos logo se tornou um gélido e longo inverno de conflitos étnicos.
Além disso, a maioria dos liberais era formada por aqueles que queriam a reforma política, mas negavam reformas sociais, o que deixavam os operários e pequenos comerciantes, que sentiam os efeitos da crise na pele, vulneráveis às seduções dos radicais esquerdistas.(...)
Os conservadores revidam
No verão houve confronto entre moderados e radicais nas ruas de Berlim, Viena e Frankfurt. O Medo da militância da classe operária e da "anarquia" social fez com que muitos liberais de classe média deixassem seus princípios originais e se alinhassem com os conservadores. No interior os camponeses deixaram de receber novas promessas liberais, e como resultado, o antigo hábito de depender da figura paternal do monarca volta a aflorar. Na França, o autoritário Luís Napoleão Bonaparte (sobrinho do antigo imperador), ganhou a presidência com a maioria esmagadora dos votos. No final daquele ano, os conservadores haviam conseguido revidar, destruindo os regimes liberais em quase todos os lugares. Houve uma segunda onda de revoluções na Alemanha e na Itália em 1849, mas foram esmagadas. Os liberais húngaros aguentaram firme, mas entraram em colapso sob fortes ataques combinados de austríacos e russos.
A Primavera dos Povos terminou de maneira prematura e o fracasso das revoluções de 1848 representou uma tragédia em termos políticos na Europa. Mesmo aonde houve algum tipo de vitória como na Alemanha e Itália, que posteriormente conseguiram suas respectivas unificações,as conquistas foram marcadas pela imposição dos interesses das elites estabelecidas, em detrimento das liberdades e direitos da maioria. Os conflitos étnicos que explodiram em muitas regiões naquele ano deram origem a rancores latentes que marcariam as relações entre as nações vizinhas nas próximas décadas. Tudo isso somado teria consequências desastrosas para a Europa, plantando as sementes de muitos conflitos que abalariam o continente no século 20, inclusive a Primeira Guerra Mundial.
David Andress(prof. de História Moderna da Europa na Universidade de Portsmouth)
Mike Rapport (prof. Acadêmico de História na Universidade de Stirlin)
Copilado da Revista BBC História PP 26 e 27.
Por Denise Oliveira /Outubro de 2010
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
As Ligas Camponesas: Um Exemplo Marxista na Luta de Resistência no Campo
Denise Santos de Oliveira*
Introdução:
Este texto tem por objetivo traçar um perfil ideológico da luta pela terra não atendo-se somente a uma consciência campesina e pequeno burguesa da propriedade, mesmo que baseada na posse individual da terra. O importante é reconhecer o projeto de reforma agrária era, e ainda hoje o é, revolucionário, já que pregava a dissolução do grande latifúndio, o fim da política oligarca e da burguesia rural. Desarticulando também o bloco industrial-agrário.
Ao traçar o perfil dos acontecimentos que nortearam a luta pela terra no interior de Pernambuco, entre 1954-1964, ficou impossível não atermo-nos aos acontecimentos políticos da época. O avanço das forças populista-reformistas que traziam Goulart e Arraes, e a influência causada pelo sucesso da revolução cubana, criou um clima favorável aos movimentos de massa. No interior desses acontecimentos, as condições políticas fizeram com que o camponês, o trabalhador rural, operários e estudantes, organizassem-se através das Ligas, sindicatos e organizações estudantis para fazerem sua própria revolução. Neste sentido as Ligas Camponesas superaram o problema
do localismo e assumiram um caráter orgânico de dimensões políticas muito maiores do que o poder instituído poderia imaginar.
Se num outro tempo o camponês numa situação limite abandonava o campo, vindo engrossar os bolsões de miséria nos grandes centros, tornando-se o que Marx classificou de lupem-proletariado, neste momento se mantêm no campo aglutinando forças e consegue inverter a correlação de forças e mostrar um movimento social-agrário unificado em torno de uma só bandeira. Reforma Agrária. Mas com certeza, o bloco industrial-agrário, que vem dando as cartas desde a década de 1930, reitera seu conservadorismo articulando uma nova saída. O Golpe Militar de 1964.
Se num outro tempo o camponês numa situação limite abandonava o campo, vindo engrossar os bolsões de miséria nos grandes centros, tornando-se o que Marx classificou de lupem-proletariado, neste momento se mantêm no campo aglutinando forças e consegue inverter a correlação de forças e mostrar um movimento social-agrário unificado em torno de uma só bandeira. Reforma Agrária. Mas com certeza, o bloco industrial-agrário, que vem dando as cartas desde a década de 1930, reitera seu conservadorismo articulando uma nova saída. O Golpe Militar de 1964.
Hoje a bandeira da reforma agrária esta novamente tremulando, não é mais dentro dos partidos comunistas e nem com a intenção revolucionária marxistas de trinta anos atrás, mas o MST trouxe de volta a questão da luta pela terra e como as Ligas Camponesas, também têm conseguido pressionar o poder no sentido de rever a questão agrária no Brasil.
A princípio, quando se pensa em produzir um trabalho sobre as comemorações dos 150 anos da primeira publicação do “ MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA”, escrito por Karl Marx e Frederich Engles, em 1947, logo vem a idéia de se produzir algo voltado para o Movimento Operário das cidades. Mas, acredito que no campo as lutas contra a opressão do capital, se dão com a mesma intensidade, e talvez com fúria muito maior do que no contexto urbano.
Neste sentido venho dar minha contribuição as comemorações dos Cento e Cinqüenta Anos do Manifesto, mostrando as lutas no campo, as desigualdades e a força do campesinato, num dos episódios da história do Brasil que ficou denominado (pejorativamente pela imprensa) de Ligas Camponesas. Tentarei mostrar todo processo e seu desfecho, numa luta de Terra, Vida, Pão e Liberdade, ou seja, todos os principais ingredientes que levaram Marx e Engels a escreverem este ABC revolucionário, que durante anos ficou restrito apenas às classes operárias nas cidades. Porém, os trabalhadores do campo também se inserem nesta cartilha e foram à luta na tentativa de conseguirem mais liberdade e igualdade nas relações de trabalho no campo, e isto veremos na luta pela construção e consolidação da “SOCIEDADE AGRÍCOLA E PEDUÁRIA DOS PLANTADORES DE PERNAMBUCO (SAPP)” ou LIGA CAMPONESAS DA GALILÉIA.* Autora é hoje professora da Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro.
Na época da confecção do texto era aluna do sexto período do curso de graduação em Licenciatura plena na cadeira de História, pelo a Universidade SUAM.
AS ORIGNES DAS LIGAS CAMPONESAS
As primeiras tentativas de organização dos trabalhadores do campo, se dá por volta de 1945. Um ano antes o decreto 7.038 de 1944 , autorizava a sindicalização rural,
porém a lei não foi implementada por falta de pressão das massas rurais, descaso do governo e pressão dos grandes proprietários de terra.
Com a deposição de Vargas, a direção do Partido Comunista Brasileiro sente a necessidade de ampliar suas bases políticas para além dos centros urbanos, e concretizar a velha idéia de uma aliança operário-camponesa, e com isso contrapôs-se ao latifúndio e ao imperialismo.
Na medida em que o PCB pretende construir-se como partido de massas vinculado aos movimentos sociais, os seus objetivos eleitorais vão sendo cada vez mais mediados pelos interesses dos camponeses e trabalhadores rurais, é neste sentido que as Ligas seriam, por excelência instrumentos de organização e mobilização do campesinato.
Porém, as Ligas e associações rurais da época sendo subordinadas à aliança operário-camponesa e a política muito centralizada do PCB, acabam por tornarem-se pouco nítidas e sem autonomia política. Mas mesmo assim, foram fundadas Ligas e Associações por quase todos os estados brasileiro. Em Pernambuco, as que mais se destacaram foram: Escada, Goiânia, Pau D’Alho e Iputinga, esta última dirigida , por José dos Prazeres que terá grande importância em 1955, na criação da Liga da Galiléia . Apesar de estarem registradas como associações civis, não conseguiam transformarem-se em sindicatos, pois esbarravam na má vontade do Ministério do trabalho, e este seguia as regras impostas pelos latifundiários.
Após a cassação do registro do PCB, em 1947, o retorno do partido à clandestinidade e a repressão aos seus militantes, as Ligas e Associações foram violentamente sufocadas seja pelo governo, latifundiários, jagunços, polícia oficial e particular.
Mesmo assim entre 1948 a 1954 ocorreram alguns conflitos importantes tais como: a guerrilha de Porecatu (1950 na fronteira SP/Paraná), a revolta de Dona Noca( 1951 Maranhão) e a criação do Território Livre de Tromba-Formoso (1953 norte de Goiás) .Essas lutas mostram um PCB ainda atuante, mesmo que clandestino, e nos anos 50 uma nova articulação se dará no campo, e tenta se criar sob nova roupagem as Ligas Camponesas. E assim surgirá a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuária de Pernambuco –SAPP, ou como ficou conhecida nacionalmente a LIGA CAMPONESA DA GALILÉIA.
1. Referência ao decreto que autorizava sindicatos rurais em nota do autor.
Fernando Antonio Azevedo. As Ligas Camponesas; Paz e Terra; RJ – 1981.
2.Dados sobre associações rurais que antecederam a Liga da Galiléia e deram sua origem. Por Fernando Antonio Azevedo. As Ligas camponesas;Paz e Terra;RJ,1981.
O Engenho da Galiléia
Conheceremos agora aos acontecimentos que marcaram o Nordeste e derem exemplo de como se pode aplicar os métodos marxistas no campo.
O Engenho da Galiléia, localiza-se em Pernambuco, no município de Vitória de Santo Antão, a 60 Km do Recife, numa região entre a Mata e o Agreste. Nos fins dos anos 40, a cana de açúcar deixou de ser explorada na região, e os proprietários passaram a arrendar as terras. A área foi então ocupada por 140 famílias, dando um total de quase mil pessoas, que são arrendarias da terra e proprietários dos meios de produção. É utilizado a força de trabalho familiar e a produção é intercalada com a de subsistência. Essas famílias devem retirar da terra o rendimento para manter os meios de produção, a compra de sementes e o pagamento do arrendamento, este feito em dinheiro, conhecido como foro. Se acontecesse do arrendatário não conseguir pagar sua dívida , era expulso pelo dono da terra.
No ano de 1954, José dos Prazeres, militante do Partido Comunista contacta vários camponeses que estão ameaçados de expulsão por não conseguirem pagar o foro. Surge daí a idéia de se formar uma sociedade, com a meta de comprar o um engenho, para que os camponeses ficassem livres do pagamento da taxa e da ameaça de expulsão.
Já no final de 1954, a sociedade é fundada, com a seguinte diretoria: Presidente – Paulo Travassos; Vice Presidente – José Francisco de Souza(Zezé da Galiléia); 1° Secretário- Oswaldo Lisboa; 2° Secretário –Severino de Souza; 1° Tesoureiro – Romildo José; 2° Tesoureiro- José Hortêncio; Fiscais – Amaro Aquino(Amaro do Capim), Oswaldo Campelo e João Virgilio e como Presidente de Honra, é convidado Oscar de Arruda Beltrão, proprietário das terras . Assim é fundada a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco – SAPP. Do ponto de vista legal, é uma sociedade civil beneficente, de auxílio mútuo, com a intenção de fundar uma escola primária e formar fundos funerários, e em segundo plano a aquisição de produtos agrícolas e assistência governamental.
Pouco tempo depois, o proprietário do engenho da Galiléia e Presidente de Honra da associação, alertado por outros latifundiários, que acham a idéia da sociedade perigosa e comunista passa a perseguir e tenta interditar a sociedade judicialmente. Começa então as intimações à Delegacia de Polícia, é chamado Promotor, Prefeito e Juiz. Alguns camponeses se intimidam, porém um número maior de trabalhadores rurais resolvem encarar a luta. Uma marcha segue para Recife, pedindo a intervenção do governador Gen. Cordeiro de Farias, que é claro,nega qualquer tipo de ajuda. Os camponeses seguem então para a Assembléia Legislativa aonde são aconselhados a procurar um advogado. E assim chegam até Francisco Julião (Deputado estadual pelo Partido Socialista).
3.AZEVEDO, Fernando Antonio. As Ligas Camponesas; Paz e Terra;RJ-1981.
Desapropria-se o Engenho da Galiléia
Após três anos de intensa pressão feita através de comícios, como o do dia 13 de maio de 1956, denominado a Marcha da Fome, e em 4 de março de 1958, aonde lavradores foram até o Palácio do Governo. A imprensa não consegue ficar de fora dos acontecimentos, e o país inteiro toma conhecimento dos acontecidos em Pernambuco. É sob essa forte pressão, que em 1959, o Engenho da Galiléia é desapropriado. O impacto desta desapropriação para a classe dominante é claramente expresso pelo jornal “ O Estado de São Paulo”, no artigo Demagogia e Extremismo, aonde o jornal coloca “... o movimento ganhará novas proporções, atingindo as classes proletárias das cidades, como a invasão de oficinas, como o apossamento violento das fábricas, com o assalto à casas de residências, com depedrações de bancos e estabelecimentos comerciais. A revolução é assim. E o que, com sua cegueira, o governo pernambucano incentivou, foi a revolução”.
Porém a desapropriação do Engenho da Galiléia, por mais que abrisse um precedente, não se constituiu num ato revolucionário, pelo contrário foi um ato de exceção sob estreito controle governamental, que tentou com isso diminuir os conflitos mais encarniçados na região entre camponeses e latifundiários. Por isso é a recém –criada Companhia de Revenda e Colonização (CRC), que efetivamente tomará posse do Engenho da Galiléia,e por meio de planos de colonização faz a divisão dos 500 hectares em lotes de 10ha para somente 47 famílias, num critério que pouco se diferenciava do anterior. O colono agora, tinha três anos para desenvolver a terra, não apenas cultivando-a, mas realizando benfeitorias. E a emancipação só viria quando o CRC considerasse o colono em condições de dirigir seu hectare.
4.Organização administrativa da Sociedade Agrícola de Plantadores e pecuaristas de Pernambuco (SAPP), em sua fundação descrita por Elide Rugai no Livro AS LIGAS CAMPONESAS;Petrópolis-1984 PP 19
5. Trecho do editorial “Demagogia e Extremismo” publicado no jornal o Estado de São Paulo em 18.02.1960.
Deste modo a luta pela terra, agora teria que passar por um novo caminho, era obrigatório a organização dos camponeses e mobilização política permanente, pois agora não se tratava mais de uma luta por qualquer terra, mas sim pela terra que tem incorporado seu trabalho. É neste sentido que muda o aspecto da luta sendo que não se trata apenas de uma luta pela propriedade pura e simples da terra, mas sim a luta pelo objeto e meio de trabalho. Por isso os mecanismos de controle das reivindicações tem que serem muito bem controlados
As relações no modo de produção, e nas dificuldades encontradas pelo camponês, não mudam com a entrada da CRC em cena, a exploração do grande pelo pequeno ainda é a mesma. O camponês combina produção de subsistência com a mercantil, e o conjunto desta produção recebe o nome de magaio*, destinando-se ao abastecimento das cidades feito através do intermediário(magaieiro), que compra a produção por um preço global. O preço é estabelecido pelo estabelecimento comercial, que conforme as condições existentes, impõe o preço que melhor lhe cabe, não restando ao produtor outra alternativa a não ser aceitá- lo, pois caso contrário pode perder toda produção. Isso se dá bem dentro das relações capitalistas, aonde o preço baixo é necessário à viabilização da reprodução da força de trabalho, pois tais preços não remuneram a renda da terra e, os camponeses passam a responder apenas pela sua subsistência. Esta é a consciência da desigualdade que existe entre camponês e o latifundiário.
6.BASTOS, Elide Rugai. AS LIGAS CAMPONESAS;Vozes: Petrópolis-1984 PP 21.
* Magaio – Toda a produção que é colocada à venda nos mercados das cidades.
A Organização das Ligas
As Ligas Camponesas trazem no seu bojo muito arrendatário, parceiros, posseiros e
pequenos proprietários, o qual se costuma chamar de “campesinato”.
No entanto, o grande erro da organização das Ligas foi subestimar a importância das massas assalariadas do campo, alijando-as da luta. É indiscutível a diferença dos mecanismos de luta entre esses dois segmentos em relação ao movimento operário rural. O trabalhador assalariado rural, que forma uma parcela significante das classes dominadas, estava impedido de ser sindicalizado e não contava com uma legislação trabalhista específica, ficando à margem deste tipo de luta, já que era regido pela CLT, que disciplinava a relação entre capital e trabalho. Entretanto, estas regras eram impraticáveis no campo por duas razões: as leis trabalhistas estavam preparadas para atenderem aos conflitos urbano-industriais, e não conseguiam dar respostas a complexidade do trabalho rural, há também o fato da CLT ser aplicada pelo Tribunal do Trabalho e pelas Juntas de Conciliação, estas por sua vez, localizadas nas cidades maiores e capitais, vilas e pequenas cidades contavam com os juizes de Comarca para as contendas trabalhistas, estes por sua vez, regiam os processos pelo Código Civil ou Penal. Desta forma o trabalhador rural ficava sem respaldo tanto do lado legislativo como pelo lado sindical nos seus enfrentamentos com o latifúndio.
A Liga não procurou respostas a esta lacuna de poder, ao invés disso isolou o trabalhador rural assalariado. Para as direções das Ligas Camponesas, o produtor apresentava um potencial de mobilização superior ao do trabalhador assalariado, que encontrava-se em situação sócio-econômico inferior ao camponês. Na visão de Julião essas diferenças eram:
1. Fator Jurídico: a lei em que se baseia o movimento camponês é o Código Civil, útil na arregimentação dos camponeses, pois com base na legislação é fácil registrar o estatuto de uma nova sociedade civil, mesmo sendo uma Liga Camponesa. Nas palavras de Francisco Julião: “ O Código Civil, é pelo menos nas atuais circunstâncias,uma a arma que neutraliza a burguesia, enquanto isola o latifúndio.”
Por isso o camponês estaria melhor armado judicialmente para a luta do que o trabalhador assalariado rural.
2. Fator Financeiro: em condições ainda que precária o camponês é dono dos meios de produção, o que falta no trabalhador assalariado rural. Sendo assim, pode vender sua produção e, quando o embate com o poder instituído é inevitável, tem como se manter em meio a contenda, sem com isso passar por privações como o trabalhador assalariado, que se não planta na terra do latifundiário, não come.
3. Fator Econômico: o sentimento estimulado pelas posses de terra e benfeitorias no camponês, fortalece o desejo de luta e a defesa do que se considera dono. A diferença entre o assalariado e o camponês é que o primeiro dirige sua luta contra um setor econômico organizado e bem mais forte, enquanto o camponês se lança diretamente contra o latifúndio, que muitas das vezes é improdutivo, o que o torna mais fraco na estrutura de classe.
Este contexto poderia ter sido melhor trabalhado pela direção das Ligas Camponesas e as limitações de ordem sindical-político-econômico poderiam ter engrossado o movimento social agrário, e isso talvez minimizasse as divergências que ocorreriam entre 1962 e 1963.
Um outro ponto importante a ser observado são as formas utilizadas para se conseguir uma mobilização cada vez maior. Os fatores que darão este respaldo são: Código Civil; a Poesia Popular e a Religião, no caso a própria Bíblia.
No Código Civil o camponês encontrou o respaldo jurídico legal da organização camponesa. A permanência do camponês na terra esta vinculada a um contrato civil, o que permite ao camponês ficar na terra mesmo estando em litígio com o latifundiário.
A Poesia Popular se torna forte dentro do universo da tradição oral, a grande maioria dos camponeses é analfabeta e este mecanismo ajuda a manter a própria cultura do campesinato. O violeiro, o cantador e o folhetista se tornam figuras presentes nas festas e feiras. Estes passam a colaborar com a Liga trazendo não só consciência de luta, mas notícias das Ligas nas fazendas aonde o agitador político não podia entrar.
A Bíblia também é um elemento de mobilização. A ação da Igreja no campo, iniciou-se por volta de 1960, com a fundação no Rio Grande do Norte do Serviço de Assistência Rural(SAR), por D. Eugênio Salles. Em Pernambuco é criado o Serviço de Orientação Rural (SORPE), pelo Pe Crespo, mas o objetivo principal destas organizações era neutralizar a ação das Ligas Camponesas. O que a Igreja continuava fazendo era pregar o catecismo da acomodação, assim a Igreja tradicional ficou conhecida como a Igreja dos Latifundiários, já que pregava contra a reforma agrária, que entendia que a família e a propriedade são inseparáveis.
Sendo assim, os pastores protestantes se tornaram os grandes líderes dos camponeses. Esta liderança era explicada pela seguinte forma: “ não bebiam, não fumavam e só tinham uma família”. Além de serem camponeses e estarem lado a lado na luta pela terra.
Mas não são somente estes três meios de mobilização havia o Conselho Regional das Ligas, que dava suporte e base de luta para as delegacias regionais das Ligas, o que ajudava no embate com o poder local, e leva ao conhecimento do setor urbano os acontecimentos no campo fazendo a ponte entre campo-cidade. A violência constante levou as direções a tentarem apoio nos centros urbanos, e assim procurar manter a existência das Ligas, já que suas sedes estavam nas cidades e por conseguinte recebiam o apoio do bloco operário-estudantil, atenuando assim, a repressão do latifúndio.
O Conselho Regional das Ligas, porém, tinha o comprometimento de alguns partidos políticos e membros do PTB,PCB e PSB . Num determinado período essa mescla partidária ajudavam as Ligas nas manifestações, atos públicos e marchas como forma de pressão ao poder instituído. Entre 1955 e 1959, aglutinações dessas forças conseguiram mobilizações fortes tais como: Primeiro Congresso de Camponeses de Pernambuco, 1955; o 1° de maio que aglutinou trabalhadores do campo e da cidade, 1957 e o próprio ato de desapropriação do Engenho da Galiléia, 1959. Nesta fase de atos e manifestações houve aproximação entre as lideranças camponesas e sindicais e o recurso à imprensa também foi utilizado como tática de mobilização. Os jornais: Última Hora, O Estado de São Paulo, Correio da Manhã e Jornal Brasil foram os que participaram, de maneiras diferentes, denunciando a violência no campo, ou fazendo o jogo do latifúndio.
4. JULIÃO,Francisco. O QUE SÃO LIGAS CAMPONESAS?; Civilizações Brasileiras S.A.;RJ-1962 PP61
No final dos anos 50 a Liga Camponesa conta com quase 35 mil associados só em Pernambuco e quase 70 mil em todo nordeste, é claro que isso despertou a preocupação do poder instituído, tanto que em meados de 1961 é pedida uma CPI pelo deputado Andrade Filho para investigar as Ligas Camponesas.
Ainda em 1961 foram lançados os Dez Mandamentos das Ligas camponesas para Libertar os Camponeses da Opressão do Latifúndio. Acontece também o I CONGRESSO DOS LAVRADORES E TRABALHADORES AGRÍCOLAS DO BRASIL. Este processo de luta marcou o fim da etapa aonde foram aplicados somente os direitos, iniciando a luta na defesa e aplicação desses direitos nos casos mais concretos. É nesta época também que começam a acontecer as primeiras cisões dentro das Ligas e isso acaba por enfraquecer toda a estrutura do movimento.
5.JULIÃO, Francisco. O QUE SÃO LIGAS CAMPONESAS?;Civilizações Brasileiras AS;RJ;1962 PP 72
6.BASTOS,Rugai. AS LIGAS CAMPONESAS;Vozes;Petrópolis-1984 PP 73
7. Citação das Mobilizações das Ligas Camponesas por Elide Rugai em As Ligas Camponesas; Vozes;Petrópolis-1984
8.BASTOS, Elide Rugai. AS LIGAS CAMPONESAS; Vozes; Petrópolis; RJ;1984 PP 74
As Crises nas Organizações Ligas
Entre os anos de 1960 e 1961, as Ligas tomaram um crescimento ideológico e passaram a defender a reforma agrária de forma mais radical. A nova concepção trazia em seu bojo o projeto da Revolução Brasileira.
Foi no Congresso de BH que esta concepção de luta se concretizou e trouxe as cisões à tona. As contradições são as seguintes: os grupos sob a orientação da ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), desenvolveram uma tendência de luta mais direcionada ás questões salariais e condições de trabalho. O PCB quer com isso fortalecer o camponês em todos os aspectos porém, as direções das Ligas não entenderam que a união de todo setor agrário é imprescindível para a luta. Outro ponto chave de discordâncias se dá quando a ULTAB aceita e as lideranças das Ligas recusam as táticas de luta agrária no marco da questão nacional-democrática (princípio político defendido pelo PCB). Para fechar os pontos de desentendimentos, aconteceu a incorporação ao movimento da ideologia revolucionaria cubana, aonde a direção das Ligas recusavam as propostas do PCB para a reforma agrária. Neste momento a luta no campo se deu em três frentes divergentes: de um lado, a luta pela sindicalização controlada pelo PCB;de outro, as ligas atuando de maneira isolada, separando camponês de trabalhador rural assalariado e por ultimo a Igreja que dirigia a organização sindical com claro objetivo de controlar as lutas, para que o sistema não perdesse o controle total da situação.
Assim, a direção do movimento social agrário muda a direção da luta em torno da posse de terra entre o campesinato e o latifúndio, para reivindicações de caráter mais trabalhista e sindical. Entre 1962 e 1964, as lutas no campo estarão mais voltadas para o assalariado rural, embora a reforma agrária continuasse sendo a grande bandeira de luta.
Neste momento começa a perceber-se uma transformação na estrutura das Ligas: da luta legal, em sua origem para a proposta de luta armada, dentro da concepção de revolução brasileira e o papel do campesinato, visto até agora como uma luta pacífica, legalizada. Por isso a direção das Ligas orientam-se para a formação de uma organização que permitirá, em certos momentos, o enfrentamento armado. Novamente teremos diferentes formas de interpretação: de um lado, um grupo formado por dissidentes do PCB, que organizaram o campesinato para a guerrilha, prevendo que a revolução viria do campo para a cidade. Do outro lado, vamos ter Julião propondo justamente o contrário, ou seja, a luta sendo organizada na cidade para o campo. As Ligas iriam espelhar os impasses e contradições vividas pela esquerda brasileira na condução dos movimentos sociais.
Em 1961, veio a ruptura definitiva entre a Liga e o PCB, quebrando assim, a unidade de ação do movimento social agrário. Estes pontos de desentendimentos que causaram o racha do movimento,terá reflexos nas eleições de 1962 e trará um maior isolamento político para a esquerda, aliás muito comum na história da esquerda brasileira.
O Enfraquecimento Contribuindo Para o Fim das Ligas Camponesas
O redimensionamento das Ligas Camponesas acontece em 1963, o governo populista de Miguel Arraes e a campanha de sindicalização no campo proposta por João Goulart, tentam controlar a mobilização agrária. Vamos assistir daqui para a frente um enfraquecimento constante das Ligas, já que o Estado redefinindo o seu sistema secular os grandes proprietários rurais na tentativa de articular a nova base de apoio misturando burguesia industrial com as camadas populares.
Dentro desse contexto, as Ligas não mantêm mais a hegemonia do movimento social agrário, sendo imprescindível a reestruturação orgânica das Ligas e a redefinição de suas teses programáticas que ajudem nas respostas para esta nova conjuntura.
Estas propostas surgem com Julião, ao publicar a tese para debate: Unificar as Forças Revolucionárias em Torno de um programa Radical , em 1963 e tenta recriar o Movimento Radical Tiradentes , dando na formação do Movimento Unificado da revolução Brasileira (MURB). Estas propostas eram de caráter claramente socialista, reiterando as concepções da Liga de 1960, trazendo de conjunto o operariado urbano, o proletariado rural, os pequenos produtores, os pequenos comerciantes, os estudantes, intelectuais pobres e etc. Neste contexto, as Ligas tem tudo para se fortalecer porém, estas propostas acabam não apontando para uma forma concreta de luta.
A contra proposta do Pe Alípio, vinha em direção a proposta de que o Conselho Nacional mantivesse a composição agrário-camponesa e que as Ligas se transformassem em LIGAS CAMPONESAS DO BRASIL com dois suportes: a Organização de Massas (OM) e a Organização Política (OP). Estas propostas são apresentadas na Conferência do Recife, em 1963, sendo criada AS LIGAS CAMPONESAS BRASILEIRAS.
Entre 1963 e 1964 as forças repressivas continuavam atuando contra os membros das Ligas. Algumas prisões são feitas envolvendo líderes do movimento, em 1963 é morto o membro Jeremias, e é convocado o Congresso Camponês, em També. Logo após o Congresso, o delegado regional do trabalho interdita o Sindicato Rural de També. Em outubro de 1963, é preso o líder das Ligas de Formoso e Serinhaém, Julio Santana. Sua prisão é respondida com protesto dos camponeses. Duas greves gerais dos trabalhadores rurais acontece em fevereiro de 1964, culminando na greve progressiva, com indicativo para 31 de março de 1964. Porém esta é a data o inicio do Golpe Militar, que prende os principais líderes das Ligas Camponesas, desarticulando todo seu processo, assim como todos os movimentos operários existentes no Brasil por mais de vinte anos.
Mas o fim das Ligas Camponesas em 1964, não impediu o surgimento de outros movimentos marxistas em favor da reforma agrária, hoje quarenta anos depois o MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST, continua levantando a bandeira da Reforma Agrária.
9.Citação de Fernando Antonio Azevedo. As LIGAS CAMPONESAS;Paz e Terra;RJ-1981.
10. Movimento Tiradentes foi uma tentativa de Francisco Julião de rearticular o comando político das Ligas Camponesas e manter a ação sob o comando único lançando me abril de 1962, o manifesto que reafirmava o socialismo e o exemplo cubano. Porém, o movimento tem vida curta e não consegue restaurar a unidade política das Ligas.
* Autora é professora de História da Rede estadual de Educação, do Rio de Janeiro
Texto apresentado no Encontro Anual da Univ. Federal Fluminense
Rio de Janeiro, julho de 1999.
BIBLIOGRAFIA
Fontes Secundárias
AZEVEDO, Fernando Antonio. As Ligas Camponesas. Editora Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1982.
BASTOS, Rugai Elide. As Ligas Camponesas. Editora Vozes: Petrópolis, 1984.
JULIÃO, Francisco. O que são as Ligas Camponesas? Cadernos do Povo Brasileiro- Vol I;
Editora Civilizações Brasileiras S.A.; RJ – 1962
Fontes Primárias
Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO – 18/02/1960
sábado, 19 de junho de 2010
As Contradições Sociais do Rio de Janeiro da Belle Époque
Denise Oliveira*
Introdução:
O que pretendo discutir neste texto são as inúmeras contradições que permearam todo o processo de consolidação da República no Brasil, e em especial o Rio de Janeiro, pois a República coincide com a entrada do país na ordem capitalista, e o emprego do termo cidadão foi e ainda é usado em larga escala pela sociedade, no intuito de dar as classes populares uma falsa impressão de igualdade. Ao discutir cidadania é impossível não passar pela emancipação dos escravos e pelas várias campanhas imigratórias que garantiam a “ mão de obra livre”, livre para ser explorada já que neste momento se fecha o acesso a propriedade de terras e aos meios de produção.
O processo capitalista já vinha sendo desenhado no Brasil desde 1850(1) , com a proibição do tráfico negreiro e o incremento da utilização de mão de obra livre, através do incentivo à imigração européia, que servirá não só para alimentar a indústria e o campo, mas para ajudar no desenho da ideologia do trabalho, tão necessário à uma nação que pretende ser capitalista, mas que ocupará o papel de fornecedora de matérias-primas para os países com capitalismo mais desenvolvido, e também funcionará como meio de absorver a mão de obra excedente européia.
A República nascerá justamente no momento em que se começa a ter claro a noção de trabalho x capital e homem livre = força de trabalho à venda. É dentro desse caldo de interesses que todos passam a serem designados cidadãos, até mesmo para justificar a falta de cidadania que envolvia todo esse processo capitalista. Portanto, buscando entender as dicotomias que envolvem essa palavra, foi surgindo a necessidade de compreender melhor a estrutura social colocada desde 1889 até os dias atuais. Seriam cidadãos os sertanejos massacrados em Canudos? Seriam cidadãos os sulistas da Guerra do Contestado? E os marinheiros rebelados e assassinados, podem ser classificados como cidadãos? Os habitantes dos cortiços e cabeças de porco eram cidadãos? São essas perguntas que tentarei desenvolver neste texto, e ao longo da dissertação procurarei encontrar as respostas para a pergunta. Afinal quem é e quem não é cidadão na República brasileira? (1)1850 é criada a Lei Eusébio de Queiroz, que proibia a entrada de novos escravos vindo da África, na prática essa lei se deu por vontade da Inglaterra, que já não via mais interesse neste comércio O NASCIMENTO DOS CORTIÇOS
A cidade do Rio de Janeiro, nasceu para ser ponto de entrada e saída de produtos para a Europa através do seu porto. Porém, após o fim do tráfico de escravos e da crise na produção cafeeira do vale do Paraíba, ocorreram mudanças substanciais nas funções econômicas da cidade, o que permitiu o surgimento de indústria com desdobramento para setores de transportes e serviços.
A mão de obra que seria utilizada neste novo modelo econômico foi a estrangeira, importada na primeira hora para atender as fazendas de café. Porém, houve deslocamento desta força de trabalho para os centros urbanos e logicamente surgiu o problema de habitação. Aonde colocar tanta gente numa cidade com pouco espaço? A solução encontrada dentro da ordem capitalista de acumulação de capitais foram os cortiços, estalagens e casas de cômodos.
O cortiço, também conhecido como “habitação coletiva”, era constituída de pequenos cômodos, construídos nos fundos dos prédios, podendo ter ou não dois andares, não possuíam cozinhas e os sanitários coletivos. As estalagens possuíam sala e quarto, cozinha e sanitários externos e coletivos.
Essas construções geralmente tinham problemas de circulação de ar, pois seus proprietários, na ânsia de ganhar mais e mais dinheiro, faziam inúmeros cômodos sem se preocupar com dados tão bobos como: ventilação, iluminação e privacidade. Sendo assim, nos cortiços e estalagens sempre havia grande incidência de doenças e as que mais assolavam por serem altamente contagiosas eram: a tuberculose, varíola,sarampo. É claro que essas doenças não eram somente um problema de habitação, mas também das condições gerais de vida do morador do cortiço. Este quase sempre era operário das fábricas que não dispunham de nenhum mecanismo de condições adequadas de trabalho, ganhava salários miseráveis que não garantiam uma alimentação adequada para manter o organismo saudável e não conseguiam ter descanso e lazer que garantisse sua saúde, já que trabalhavam entre 14 e 18 horas diárias. Tudo isso contribuía para que as doenças acometessem mais os moradores dos cortiços do que os outros, porém mais tarde esse será o motivo usado pelas “ autoridades” na guerra contra esse tipo de moradia.
Eram esses os cidadãos da República, moravam mal, comiam mal, viviam mal, vestiam-se mal. Não será à toa que em 1904, esta “ horda de malfeitores” irá colocar em xeque a ordem pré-estabelecida, no episódio da Revolta da Vacina.
CIDADÃOS INATIVOS SOMOS TODOS NÓS
Seguindo o raciocínio de Louis Conty, “ O Brasil não tem povo”,(2) podemos entender claramente que o papel dos pobres na República não mudou, continuou igualzinho ao que era na monarquia. De nada adiantou a criação do sufrágio universal no voto, já que este, de “universal” não tinha nada, pois não incluía os analfabetos, negros e mulheres, ou seja, o grande contingente trabalhador do país.
Essa exclusão foi interpretada pelos intelectuais da época como: apatia. É mais fácil colocar o povo como apático, difícil é assumir que ele (o povo) é impedido de participar do processo político do país. Isso fica claro nos dias de hoje, quando se coloca que “os cidadãos não tem segurança por causa da bandidagem”(3) resta saber quem é o bandido.
Na Proclamação da República o povo foi alijado de participar, mas isso não quer dizer que nos anos seguintes não houve confronto entre o poder da rua e o poder dos gabinetes. Logo, em 1893 acontece a Revolta da Armada, entre 1893 à 1895, a Revolução Federalista, entre 1893 à 1897 a Guerra de Canudos, em 1904 a Revolta da Vacina, em 1910 a Revolta da Chibata e entre 1912 à 1916 a Guerra do Contestado. Todos esses movimentos mostraram que o povo não estava morto e que a questão da cidadania era cobrada sim, talvez não da forma que o poder instituído queria ou gostasse, mas da forma que o povo sabia cobrar.
Nos dias atuais não temos uma grande revolta, ou uma guerra civil declarada, mas o povo continua cobrando sua cidadania e a forma mais usada é o “ roubo”, pois se um jovem em idade produtiva não consegue uma colocação no mercado de trabalho oficial, ele parte para o extra-oficial, que pode ser o tráfico de drogas, seqüestro ou assaltos. Na verdade entendo que o uso desta via, passa pela questão de “ roubar” a cidadania que lhe foi negada, resta saber se o poder dos gabinetes entendem isso desta forma.(4)
Mas retornando ao ponto da “apatia” política que acometia os cariocas, podemos passar para uma outra questão: a presença de elementos politicamente ativos, mas que não eram enquadrados como cidadãos, era a escória, a canalha ou a escuma social. Não é necessário dizer que esses elementos eram os negros e mestiços, que não tinham lugar algum na sociedade republicana. José Murilo de Carvalho dá um destaque especial a esses elementos... "Na melhor das hipóteses, eram jacobinos, palavra que para o representante francês tinha conotação negativa, pois era insulto o uso dessa expressão para identificar um tipo de gente que não achava estar à altura dos exemplos originais.”(5)
Essa camada da sociedade por ser a que mais sofria, também era a que mais fazia barulho, e não foi por outro motivo que estiveram em massa na Revolta da Vacina, ou na resistência às demolições dos cortiços, locais que em sua maioria habitavam, imposta por Pereira Passos.
(2)Louis Conty biólogo francês citado por José Murilo de Carvalho no livro Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. PP 66
(3) A expressão bandidagem é usada pela autora na condução do que a sociedade entende por lei.
(4) Hosbsbawm coloca este tipo de pensamento bem definido no livro Bandidos pp.17
(5) José Murilo de Carvalho. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. PP 72
AS CLASSES PERIGOSAS
É muito comum a utilização deste termo para denominar os pobres, os negros, os bêbados, e todos aqueles que não estão dentro do “chamado padrão estético normal”.
Esta expressão surgiu na metade do século XIX, que por “coincidência” também, foi a época do boom da Revolução Industrial, momento bastante complicado na Europa, aonde as hordas de desempregados, expulsos dos campos, formava os batalhões de miseráveis que perambulavam pelas ruas. A autora inglesa Mary Carpentier(6), por exemplo, utilizava claramente este termo no sentido de identificar o grupo formado à margem da sociedade civil. Para ela as classes perigosas eram constituídas pelas pessoas que houvessem passado pela prisão, ou que não tendo sido presa optaram por obter o seu sustento e sua família através de furtos e não do trabalho. Fica claro que dentro da lógica do trabalho vigente, todas as pessoas que optassem por um modo menos espoliativo de viver eram colocadas dentro deste termo ‘perigoso’.
No Brasil não foi diferente, os habitantes dos cortiços, que podiam ser ou não trabalhadores também eram taxados de ‘perigosos’. Os habitantes de Canudos eram inimigos da “boa ordem”, e por isso perigosos. O mecanismo coercitivo não era a única forma de obrigar as classes populares a se enquadrar na ideologia do trabalho, neste ponto a indução poderia se dar de outras formas: através da educação, do respeito religioso à propriedade e da ambição de possuir alguma coisa através do trabalho honrado e digno, e é claro de muita economia já que a posse á propriedade não estava aberta a este trabalhador. Nisso Chalhoub é brilhante quando aponta no livro Trabalho Lar e Botequim, todo esforço da sociedade em desfazer o mito da preguiça inata do trabalhador nacional, e ainda ilustra melhor da seguinte forma:
“ O cidadão recebe tudo da sociedade, pois esta lhe garante a segurança, os direitos individuais, a liberdade e a honra, etc. O cidadão, portanto, está permanentemente endividado com a sociedade e deve retribuir o que dela recebe."(7)
Nas primeiras décadas do século XX, essa ideologia do trabalho já estava bem plantada no Brasil, e é claro que para justificar a falta de colocação para todos, e a reserva de mão de obra tão necessária ao capitalismo,a Comissão Parlamentar irá buscar fundamentos para declarar guerra a ociosidade. Chalhoub coloca isso claramente:
“ As classes pobres e viciosas, diz um criminalista notável, sempre foram e hão de ser a mais abundante causa de todas as sortes de malfeitores: são elas que se designam mais propriamente sob o título de classes perigosas; pois mesmo quando o vício não é acompanhado pelo crime , só o fato de aliar-se a pobreza no mesmo indivíduo constitui- se um justo motivo de terror para a sociedade."(8)
A partir desta forma de pensar o pobre podemos concluir que a mesma sociedade que o cria, é também a que mais o teme. E neste contexto fica irremediavelmente complicado definir quem são e quem não são cidadãos. A meu ver a república não trouxe essa resposta, e mesmo que tentasse copiar padrões norte-americanos e europeus nunca conseguiu garantir os direitos civis e políticos a seus cidadãos.
É a partir desta falta de garantia que o termo cidadão acabou ficando dúbio e mal explicado, e hoje podemos ouvir coisas como “sou cidadão, necessito de segurança”. Bem, nestes últimos anos nunca ouvi tanto a mesma expressão vinda de classes tão distintas. Ao mesmo tempo em que a classe média em seus apartamentos gradeados e carros trancados gritam por segurança, o morador pobre das favelas pede a mesma segurança contra a própria polícia que entra em sua comunidade atirando em tudo que se mexe. E aí fica a seguinte pergunta: que cidadão, que segurança?
(6)Mary Carpenter é citada por Sidney Chalhoub no livro Cidade Febril. PP 20
(7)Chalhoub, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim. PP 43
(8) Chalhoub, Sidney. Cidade Febril. PP 21
A REVOLTA DA VACINA: CIDADÃOS INATIVOS, NEM TANTO
Por tudo explanado até aqui, podemos compreender como se deram as condições para que a população carioca se opusesse tão drasticamente à vacinação obrigatória, imposta justamente pelos que menos se preocupavam com a vida dos mais pobres. Vejamos como se encontravam as classes populares no início do século XX.
Cerca de 80% da população carioca não tinha direito a voto e os outros 20% que tinham esse direito preocupavam-se em perpetuar sua classe no poder. Porém a população mesmo impedida de participar diretamente da vida política do país, mostrava-se atenta a todo exercício de poder que lhes afetava o dia-a-dia, e se sentiam na obrigação de defender tudo que consideravam seu direito. As condições de vida na cidade do Rio de Janeiro nunca foram boas. Desde a chegada da Família Real em 1808, a cidade já sofria com a falta de espaço para acomodar todos que nela viviam, tanto que foi necessário instituir o PR( Príncipe Regente), mais conhecido pelo povo como ponha-se na rua, para que a Família Real pudesse ser instalada.
Esse problema não só não foi resolvido, como com o passar dos anos foi se agravando. E assim se chegou ao século XX com uma cidade que possuía um espaço urbano bastante acanhado, todo cortado por montanhas, pântanos e o mar.
Porém, a capital do país crescia vertiginosamente por causa da migração de trabalhadores das fazendas que se arruinavam no Vale do Paraíba, as migrações assombrosas, por causa da ilusão de se enriquecer facilmente devido a política do Encilhamento, das condições concretas de maior mercado de trabalho que a cidade começa a apresentar e das grandes levas de imigrantes europeus que entraram no país nos últimos anos do século XIX e início do século XX. Aonde colocar tanta gente numa cidade tão pequena?
No campo econômico a cidade encontrava-se mais falida do que nunca, pois o fracasso do Encilhamento de Rui Barbosa e a desastrosa administração de Campos Sales formou um flagelo singular para as camadas mais pobres da população, pois diminuíram ainda mais as ofertas de emprego e o custo de vida aumentou sensivelmente. As agitações começavam a ferver na cidade. Nicolau Sevcenko coloca esse momento de forma bem clara:
“ É claro que essa efervescência tumultuária latente, eventualmente alarmante, vinha comprometer os melhores planos da elite governamental. Por um lado, era o aumento da insegurança pessoal que desassossegava quem quer que tivesse algo a perder. A Imprensa trovejava reprimendas ao governo pela sua inépcia diante do aumento da criminalidade urbana. A crônica policial ganhava espaços cada vez maiores com descrição enraivecida do aumento escandaloso de roubos, assaltos, arrombamentos, homicídios, assim como da vadiagem, prostituição, da mendicância e do alcoolismo. Mais muito pior era segurança social que essa situação engendrava visto que era essa população miúda e turbulenta quem dominava efetivamente o centro da cidade.”(9)
O grande problema não era como viviam os miseráveis, mas sim o fato dessa gente estar bem no centro da cidade, convivendo com as pessoas de bem. Esse era o grande problema, e assim depois do exemplo da Comuna francesa, os governantes teriam que dar um jeito para que o fato não se repetisse no Rio de Janeiro. Por isso quando assumiu o cargo de prefeito indicado por Rodrigues Alves, Pereira Passos tratou de remodelar a cidade e usou para isso o modelo francês que acabara com as ruelas, casas de cômodos e estalagens. E a essa forma de esconder a miséria foi dado o nome de remodelamento.
Para legitimar essa atitude foi colocado que os cortiços eram focos de doenças e que as casas eram insalubres. Em nome da saúde popular, Pereira Passos aliado a Oswaldo Cruz e Paulo de Frontim iniciaram a reforma urbana e sanitária da Cidade. Não que esta reforma não fosse necessária, pois era verdade que a cidade era suja, mal-cheirosa e continha grandes focos de doenças, mas para isso o poder instituído usou a força demolindo os cortiços e obrigando a população a ser vacinada mesmo contra sua vontade. Os governantes não se preocuparam em fazer uma campanha esclarecedora da importância da vacinação e muito menos se preocuparam com o destino das pessoas que perdiam suas casas. Por esse motivo a população pobre não aceitava a intromissão do governo em suas vidas, já que era um governo constantemente ausente e pouco preocupado com o destino dos trabalhadores. Assim, estava dada a condição para que a população sé colocasse contra a vacinação obrigatória e a intromissão do poder em seu cotidiano.
Mais uma vez recorro a Sevcenko para ilustrar a forma que se deu a reforma urbana no início do século XX. “As vítimas são fácies de identificar: toda a multidão de humildes, dos mais variados matizes étnicos, que constituíam a massa trabalhadora, os desempregados, os subempregados e os aflitos de todas as espécies que povoavam a cidade. A ação do governo não se fez somente contra os seus alojamentos: suas roupas, seus pertences pessoais, sua família, seus animais, suas formas de subsistência e de sobrevivência, sua cultura enfim, tudo é atingido pela nova disciplina espacial física, social, ética e cultural imposta pelo gesto reformador”.(10)
Com esse gesto o governo republicano, mostrava bem a que interesses serviam e por ser um gesto oficial encontrava na justiça respaldo para ser injusto, brutal e discriminador.
A população respondeu a esses atos com extrema violência, e durante quatro dias no mês de novembro de 1904, essa camada da população mostrou não ser assim tão inativa e a Cidade do Rio de Janeiro foi palco da Revolta da Vacina. Um incidente social com grande número de mortos, feridos, presos e banido e que afinal deu ao governo um belo pretexto para se livrar das camadas inoportunas que habitavam a cidade tais como: os capoeiras, os vadios, as prostitutas e principalmente os negros.
A Revolta da Vacina é um exemplo único na história do movimento popular brasileiro que se baseia na defesa do cidadão em não aceitar ser tratado de forma arbitrária pelo governo. E mesmo sendo sufocada deixou na população o sabor de ter resistido, de não serem apenas inativos.
(9)Sevcenko, Nicolau. A Revolta da Vacina: Mentes insanas em corpos rebeldes- PP 55
(10)Sevcenko. Nicolau. A Revolta da Vacina: Mentes insanas em corpos rebeldes – PP 58
A CIDADE SE RECOMPÕE
Após sufocar os rebeldes de novembro de 1904, e impor a urbanização a todo custo, foi inaugurada oficialmente em 15 de novembro de 1905 a Avenida Central. A grande obra civilizadora estava concluída.
Também é importante abordar o outro lado desta tão “ magnífica reforma”. Todas as atividades da prefeitura estavam coordenadas pela comissão da Carta Cadastral do Distrito Federal, chefiada pelo engenheiro Alfredo Américo de Sousa Rangel(11) . Coube a esta comissão traçar os planos de alargamento das ruas, a canalização dos rios, o prolongamento e abertura de novas avenidas e o estabelecimento da rede de água e esgoto da cidade. Esta comissão também se responsabilizara pela questão de higiene domiciliar, que forçou a transformação dos edifícios já existentes. É fundamental uma definição nos critérios para a construção de novos edifícios, e é aí que a especulação imobiliária fará sua festa. A especulação imobiliária e a melhoria nos meios de comunicação, estes são os dois aspectos mais marcantes da reforma urbana.]
Não é necessário ser nenhum gênio para compreender o envolvimento de Pereira Passos com setores ligados ao comércio, aos meios de transportes, e é claro a construção covil. Os leilões dos terrenos desapropriados ocorriam ainda quando eram apenas montes de entulhos e era ali mesmo que se barganhavam e definiam a ocupação dos novos espaços, agora valorizados pelas novas e largas avenidas. Mas havia um empecilho: os prédios antigos que restaram, ou seja, sobrados velhos e escuros passaram a ser disputados na compra, venda e aluguel e isso desestimulava a construção de prédios mais modernos, pois acabariam valendo o mesmo que os que já existiam. Esse motivo fará com que a prefeitura tome a seguinte atitude:
“ (...) impedir a valorização constante dos prédios antiquados das ruas estreitas por onde passa hoje o mais forte movimento urbano, permitindo a sua substituição em época não remota(...)”(12) E assim a moradia dos mais pobres se torna alvo da especulação imobiliária e estes, ora que vão viver em outro lugar! (grifo meu). Sendo assim, os pequenos construtores, os pequenos construtores vão ficando fora desta “ maravilha de civilização”, e isto se dá com as novas normas para a construção dos prédios, com elevado custo dos terrenos e com a abolição da figura do mestre-de-obras.
Em todos os setores desta grandiosa urbanização os cidadãos pobres foram sendo postos para fora, como se o progresso não fosse para os eu bico. Em 1906, quando terminava a administração de Pereira Passos, também chegava ao fim o bota-abaixo com um saldo de 1681 habitações derrubadas e 20.000 pessoas obrigadas a deixarem o lado nobre da cidade, escondendo-se nos subúrbios da Central e Leopoldina, morros e favelas.
A reforma de Rodrigues Alves e Pereira Passos haviam dado uma outra face à cidade, mas esta face era falsamente branca, falsamente rica.
(11) Rocha, Oswaldo Porto. A Era das Demolições- PP 65
(12)Relatório da Prefeitura do Distrito federal, Melhoramentos da Cidade projetada pelo prefeito Francisco Pereira Passos – Rio de Janeiro, 1903 – pp 23 – Arquivo Nacional
CIDADÃOS INATIVOS... ONDE MORAR?
“Por este intrincado de ruas e bibocas é que vive a grande parte da população da cidade, cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhes cobre impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro.”
Lima Barreto (13)
Como coloca Lima Barreto, a população que antes viva no centro da cidade, e com isso tinha meios mais fáceis e rápidos de chegar ao trabalho, ou de se “virar” em caso de subemprego foi sendo empurrada para a periferia da cidade.
Também é certo que as favelas já existiam, a mais conhecida estava localizada no Morro da Providência, até então conhecido como Morro da Favela, por ser local de habitação dos remanescentes de Canudos, que trouxeram do sertão baiano esta expressão. No relatório da prefeitura já citado, encontramos a seguintes informações:
“(...) habitações feitas de estuque, com pequenas janelas e portas estreitas, telhado de zinco ou folha de lata de querosene. O tamanho destas construções são geralmente maiores do que os cortiços, há também maior espaço entre uma construção e outra e nenhuma casa era feita de madeira (...)”.(14)
Foram estes locais que abrigaram os 20.000 desabrigados pela modernidade, e assim o Rio de Janeiro pôde finalmente desfrutar plenamente do título de Cidade maravilhosa, e é no centro civilizado desta cidade, que desfilam os primeiros automóveis, circulam os bondes, o Teatro Municipal recebe famosas óperas e grandes concertos musicais, a Escola de Belas Artes expõe artistas renomados e o debate político encontra calorosa discussão no Senado Federal.
É lá de cima do Morro da Favela que os cidadãos sem renda, sem posses e sem cidadania, que antes residiam nos cortiços, observam sem entender muito bem toda essa modernidade.
(13)Barreto, Lima. Clara dos Anjos – PP 109
(14)Relatório da Prefeitura do Distrito Federal. Melhoramentos da Cidade projetada pelo prefeito Pereira Passos, 1903 – Arquivo Nacional.
CONCLUSÃO
Hoje esta “maravilha de cidade” sofre com a desigualdade social e com a péssima distribuição de renda. Os filhos desta desigualdade cobram caro pela sua cidadania fazendo com que a cidade se torne mais, muito mais, violenta do que maravilhosa.
O projeto capitalista que tomou corpo coma República encontra-se hoje consolidado, o Brasil é consagradamente um país capitalista de Terceiro Mundo, isso quer dizer que o papel de exportador de matéria-prima para países capitalistas desenvolvido está sendo desempenhado de forma brilhante, e a nova moda neoliberalista é usada em todos os setores da sociedade brasileira. Sendo assim, fica fácil compreender o papel que as classes populares exercem no sistema capitalista, e a quem esse sistema beneficia. Por isso, para completar esse meu raciocínio, peço ajuda a Lênin, que já chamava a atenção para o processo de exportações de capitais dentro do projeto imperialista, que se consolidou na primeira fase da República brasileira. Segundo ele:
“ (...) as nações européias, plenamente capitalistas, como Inglaterra e França sistematicamente concedem empréstimos àquelas em fase de desenvolvimento, particularmente as da América do Sul e do Leste europeu. Estes empréstimo são feitos não em nível de investimento industrial privado, mas tratados diretamente com o poder público, com os governos. Outra particularidade esta na finalidade da transação isto é, aplicação do capital no setor privado de exploração, ou então em setores ligados à modernização, tais como: ferrovias, companhias de carres, luz e força. Ainda dentro desta filosofia, os bancos procuram sempre orientar a aplicação dos recursos que emprestam, visando sua utilização em obras que venham lhes beneficiar." (15) em>
Sendo assim, podemos concluir que esse conjunto de práticas provocou um reforço nos laços de dependência dos governos com o imperialismo. Neste foco é fácil entender quem se faz e quem não se faz cidadão nesta sociedade que vivemos. E hoje temos reflexos bastante claros de uma República proclamada às escuras e podemos ver perfeitamente q quem se destinava, assim fica óbvio que ainda temos muito para aprender no que toca ao quesito cidadania. Por isso encerro este texto com entendimento perfeito de que cidadãos são os outros e não o povo.
(15)Lênin. VI Obras escolhidas v.1, Alfa-Ômega, SP, 1979. * Denise Oliveira é Professora da Rede Estadual de Educação.
Rio de Janeiro, Julho de 1999.
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias:
Relatório da Prefeitura do Distrito Federal. Melhoramentos da Cidade Projetada pelo prefeito Francisco Pereira Passos – DF/RJ – 1903. Arquivo Nacional
Fontes Secundárias:
BARRETO, Lima. CLARA DOS ANJOS. RJ, Tecnoprint, sd
CARVALHO, José Murilo de. OS BESTIALIZADOS – O RIO DE JANEIRO E A REPÚBLICA QUE NÃO FOI.
SP, Companhia das Letras, 1996.
CHALHOUB, Sidney. CIDADE FEBRIL- CORTIÇOS E EPIDEMIAS NA CORTE IMPERIAL, SP, Companhia
das Letras , 1996.
CHALHOUB, Sidney. TRABALHO, LAR E BOTEQUIM- COTIDIANO DOS TRABALHADORES NO RIO DE
JANEIRO DA BELLE ÉPOQUE. SP, Editora Brasiliense, 1986.
HOBSBAWM, Erick. BANDIDOS. RJ, Forense-Universitária, 1975.
LENIN. VI OBRAS ESCOLHIDAS. v1. Alfa-Ômega, 1979.
ROCHA, Oswaldo do Porto e CARVALHO, Lia de Aquino. A ERA DAS DEMOLIÇÕES/HABITAÇÕES
POPULARES. RJ, Coleção Biblioteca Carioca 2° edição, 1995.
SEVCENKO, Nicolau. A REVOLTA DA VACINA- MENTES INSANAS EM CORPOS REBELDES, RJ, Editora
Spione, 1993. Este texto foi apresentado no X Encontro de Professores da ANPUH, Florianópolis 1999.
Introdução:
O que pretendo discutir neste texto são as inúmeras contradições que permearam todo o processo de consolidação da República no Brasil, e em especial o Rio de Janeiro, pois a República coincide com a entrada do país na ordem capitalista, e o emprego do termo cidadão foi e ainda é usado em larga escala pela sociedade, no intuito de dar as classes populares uma falsa impressão de igualdade. Ao discutir cidadania é impossível não passar pela emancipação dos escravos e pelas várias campanhas imigratórias que garantiam a “ mão de obra livre”, livre para ser explorada já que neste momento se fecha o acesso a propriedade de terras e aos meios de produção.
O processo capitalista já vinha sendo desenhado no Brasil desde 1850(1) , com a proibição do tráfico negreiro e o incremento da utilização de mão de obra livre, através do incentivo à imigração européia, que servirá não só para alimentar a indústria e o campo, mas para ajudar no desenho da ideologia do trabalho, tão necessário à uma nação que pretende ser capitalista, mas que ocupará o papel de fornecedora de matérias-primas para os países com capitalismo mais desenvolvido, e também funcionará como meio de absorver a mão de obra excedente européia.
A República nascerá justamente no momento em que se começa a ter claro a noção de trabalho x capital e homem livre = força de trabalho à venda. É dentro desse caldo de interesses que todos passam a serem designados cidadãos, até mesmo para justificar a falta de cidadania que envolvia todo esse processo capitalista. Portanto, buscando entender as dicotomias que envolvem essa palavra, foi surgindo a necessidade de compreender melhor a estrutura social colocada desde 1889 até os dias atuais. Seriam cidadãos os sertanejos massacrados em Canudos? Seriam cidadãos os sulistas da Guerra do Contestado? E os marinheiros rebelados e assassinados, podem ser classificados como cidadãos? Os habitantes dos cortiços e cabeças de porco eram cidadãos? São essas perguntas que tentarei desenvolver neste texto, e ao longo da dissertação procurarei encontrar as respostas para a pergunta. Afinal quem é e quem não é cidadão na República brasileira? (1)1850 é criada a Lei Eusébio de Queiroz, que proibia a entrada de novos escravos vindo da África, na prática essa lei se deu por vontade da Inglaterra, que já não via mais interesse neste comércio O NASCIMENTO DOS CORTIÇOS
A cidade do Rio de Janeiro, nasceu para ser ponto de entrada e saída de produtos para a Europa através do seu porto. Porém, após o fim do tráfico de escravos e da crise na produção cafeeira do vale do Paraíba, ocorreram mudanças substanciais nas funções econômicas da cidade, o que permitiu o surgimento de indústria com desdobramento para setores de transportes e serviços.
A mão de obra que seria utilizada neste novo modelo econômico foi a estrangeira, importada na primeira hora para atender as fazendas de café. Porém, houve deslocamento desta força de trabalho para os centros urbanos e logicamente surgiu o problema de habitação. Aonde colocar tanta gente numa cidade com pouco espaço? A solução encontrada dentro da ordem capitalista de acumulação de capitais foram os cortiços, estalagens e casas de cômodos.
O cortiço, também conhecido como “habitação coletiva”, era constituída de pequenos cômodos, construídos nos fundos dos prédios, podendo ter ou não dois andares, não possuíam cozinhas e os sanitários coletivos. As estalagens possuíam sala e quarto, cozinha e sanitários externos e coletivos.
Essas construções geralmente tinham problemas de circulação de ar, pois seus proprietários, na ânsia de ganhar mais e mais dinheiro, faziam inúmeros cômodos sem se preocupar com dados tão bobos como: ventilação, iluminação e privacidade. Sendo assim, nos cortiços e estalagens sempre havia grande incidência de doenças e as que mais assolavam por serem altamente contagiosas eram: a tuberculose, varíola,sarampo. É claro que essas doenças não eram somente um problema de habitação, mas também das condições gerais de vida do morador do cortiço. Este quase sempre era operário das fábricas que não dispunham de nenhum mecanismo de condições adequadas de trabalho, ganhava salários miseráveis que não garantiam uma alimentação adequada para manter o organismo saudável e não conseguiam ter descanso e lazer que garantisse sua saúde, já que trabalhavam entre 14 e 18 horas diárias. Tudo isso contribuía para que as doenças acometessem mais os moradores dos cortiços do que os outros, porém mais tarde esse será o motivo usado pelas “ autoridades” na guerra contra esse tipo de moradia.
Eram esses os cidadãos da República, moravam mal, comiam mal, viviam mal, vestiam-se mal. Não será à toa que em 1904, esta “ horda de malfeitores” irá colocar em xeque a ordem pré-estabelecida, no episódio da Revolta da Vacina.
CIDADÃOS INATIVOS SOMOS TODOS NÓS
Seguindo o raciocínio de Louis Conty, “ O Brasil não tem povo”,(2) podemos entender claramente que o papel dos pobres na República não mudou, continuou igualzinho ao que era na monarquia. De nada adiantou a criação do sufrágio universal no voto, já que este, de “universal” não tinha nada, pois não incluía os analfabetos, negros e mulheres, ou seja, o grande contingente trabalhador do país.
Essa exclusão foi interpretada pelos intelectuais da época como: apatia. É mais fácil colocar o povo como apático, difícil é assumir que ele (o povo) é impedido de participar do processo político do país. Isso fica claro nos dias de hoje, quando se coloca que “os cidadãos não tem segurança por causa da bandidagem”(3) resta saber quem é o bandido.
Na Proclamação da República o povo foi alijado de participar, mas isso não quer dizer que nos anos seguintes não houve confronto entre o poder da rua e o poder dos gabinetes. Logo, em 1893 acontece a Revolta da Armada, entre 1893 à 1895, a Revolução Federalista, entre 1893 à 1897 a Guerra de Canudos, em 1904 a Revolta da Vacina, em 1910 a Revolta da Chibata e entre 1912 à 1916 a Guerra do Contestado. Todos esses movimentos mostraram que o povo não estava morto e que a questão da cidadania era cobrada sim, talvez não da forma que o poder instituído queria ou gostasse, mas da forma que o povo sabia cobrar.
Nos dias atuais não temos uma grande revolta, ou uma guerra civil declarada, mas o povo continua cobrando sua cidadania e a forma mais usada é o “ roubo”, pois se um jovem em idade produtiva não consegue uma colocação no mercado de trabalho oficial, ele parte para o extra-oficial, que pode ser o tráfico de drogas, seqüestro ou assaltos. Na verdade entendo que o uso desta via, passa pela questão de “ roubar” a cidadania que lhe foi negada, resta saber se o poder dos gabinetes entendem isso desta forma.(4)
Mas retornando ao ponto da “apatia” política que acometia os cariocas, podemos passar para uma outra questão: a presença de elementos politicamente ativos, mas que não eram enquadrados como cidadãos, era a escória, a canalha ou a escuma social. Não é necessário dizer que esses elementos eram os negros e mestiços, que não tinham lugar algum na sociedade republicana. José Murilo de Carvalho dá um destaque especial a esses elementos... "Na melhor das hipóteses, eram jacobinos, palavra que para o representante francês tinha conotação negativa, pois era insulto o uso dessa expressão para identificar um tipo de gente que não achava estar à altura dos exemplos originais.”(5)
Essa camada da sociedade por ser a que mais sofria, também era a que mais fazia barulho, e não foi por outro motivo que estiveram em massa na Revolta da Vacina, ou na resistência às demolições dos cortiços, locais que em sua maioria habitavam, imposta por Pereira Passos.
(2)Louis Conty biólogo francês citado por José Murilo de Carvalho no livro Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. PP 66
(3) A expressão bandidagem é usada pela autora na condução do que a sociedade entende por lei.
(4) Hosbsbawm coloca este tipo de pensamento bem definido no livro Bandidos pp.17
(5) José Murilo de Carvalho. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. PP 72
AS CLASSES PERIGOSAS
É muito comum a utilização deste termo para denominar os pobres, os negros, os bêbados, e todos aqueles que não estão dentro do “chamado padrão estético normal”.
Esta expressão surgiu na metade do século XIX, que por “coincidência” também, foi a época do boom da Revolução Industrial, momento bastante complicado na Europa, aonde as hordas de desempregados, expulsos dos campos, formava os batalhões de miseráveis que perambulavam pelas ruas. A autora inglesa Mary Carpentier(6), por exemplo, utilizava claramente este termo no sentido de identificar o grupo formado à margem da sociedade civil. Para ela as classes perigosas eram constituídas pelas pessoas que houvessem passado pela prisão, ou que não tendo sido presa optaram por obter o seu sustento e sua família através de furtos e não do trabalho. Fica claro que dentro da lógica do trabalho vigente, todas as pessoas que optassem por um modo menos espoliativo de viver eram colocadas dentro deste termo ‘perigoso’.
No Brasil não foi diferente, os habitantes dos cortiços, que podiam ser ou não trabalhadores também eram taxados de ‘perigosos’. Os habitantes de Canudos eram inimigos da “boa ordem”, e por isso perigosos. O mecanismo coercitivo não era a única forma de obrigar as classes populares a se enquadrar na ideologia do trabalho, neste ponto a indução poderia se dar de outras formas: através da educação, do respeito religioso à propriedade e da ambição de possuir alguma coisa através do trabalho honrado e digno, e é claro de muita economia já que a posse á propriedade não estava aberta a este trabalhador. Nisso Chalhoub é brilhante quando aponta no livro Trabalho Lar e Botequim, todo esforço da sociedade em desfazer o mito da preguiça inata do trabalhador nacional, e ainda ilustra melhor da seguinte forma:
“ O cidadão recebe tudo da sociedade, pois esta lhe garante a segurança, os direitos individuais, a liberdade e a honra, etc. O cidadão, portanto, está permanentemente endividado com a sociedade e deve retribuir o que dela recebe."(7)
Nas primeiras décadas do século XX, essa ideologia do trabalho já estava bem plantada no Brasil, e é claro que para justificar a falta de colocação para todos, e a reserva de mão de obra tão necessária ao capitalismo,a Comissão Parlamentar irá buscar fundamentos para declarar guerra a ociosidade. Chalhoub coloca isso claramente:
“ As classes pobres e viciosas, diz um criminalista notável, sempre foram e hão de ser a mais abundante causa de todas as sortes de malfeitores: são elas que se designam mais propriamente sob o título de classes perigosas; pois mesmo quando o vício não é acompanhado pelo crime , só o fato de aliar-se a pobreza no mesmo indivíduo constitui- se um justo motivo de terror para a sociedade."(8)
A partir desta forma de pensar o pobre podemos concluir que a mesma sociedade que o cria, é também a que mais o teme. E neste contexto fica irremediavelmente complicado definir quem são e quem não são cidadãos. A meu ver a república não trouxe essa resposta, e mesmo que tentasse copiar padrões norte-americanos e europeus nunca conseguiu garantir os direitos civis e políticos a seus cidadãos.
É a partir desta falta de garantia que o termo cidadão acabou ficando dúbio e mal explicado, e hoje podemos ouvir coisas como “sou cidadão, necessito de segurança”. Bem, nestes últimos anos nunca ouvi tanto a mesma expressão vinda de classes tão distintas. Ao mesmo tempo em que a classe média em seus apartamentos gradeados e carros trancados gritam por segurança, o morador pobre das favelas pede a mesma segurança contra a própria polícia que entra em sua comunidade atirando em tudo que se mexe. E aí fica a seguinte pergunta: que cidadão, que segurança?
(6)Mary Carpenter é citada por Sidney Chalhoub no livro Cidade Febril. PP 20
(7)Chalhoub, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim. PP 43
(8) Chalhoub, Sidney. Cidade Febril. PP 21
A REVOLTA DA VACINA: CIDADÃOS INATIVOS, NEM TANTO
Por tudo explanado até aqui, podemos compreender como se deram as condições para que a população carioca se opusesse tão drasticamente à vacinação obrigatória, imposta justamente pelos que menos se preocupavam com a vida dos mais pobres. Vejamos como se encontravam as classes populares no início do século XX.
Cerca de 80% da população carioca não tinha direito a voto e os outros 20% que tinham esse direito preocupavam-se em perpetuar sua classe no poder. Porém a população mesmo impedida de participar diretamente da vida política do país, mostrava-se atenta a todo exercício de poder que lhes afetava o dia-a-dia, e se sentiam na obrigação de defender tudo que consideravam seu direito. As condições de vida na cidade do Rio de Janeiro nunca foram boas. Desde a chegada da Família Real em 1808, a cidade já sofria com a falta de espaço para acomodar todos que nela viviam, tanto que foi necessário instituir o PR( Príncipe Regente), mais conhecido pelo povo como ponha-se na rua, para que a Família Real pudesse ser instalada.
Esse problema não só não foi resolvido, como com o passar dos anos foi se agravando. E assim se chegou ao século XX com uma cidade que possuía um espaço urbano bastante acanhado, todo cortado por montanhas, pântanos e o mar.
Porém, a capital do país crescia vertiginosamente por causa da migração de trabalhadores das fazendas que se arruinavam no Vale do Paraíba, as migrações assombrosas, por causa da ilusão de se enriquecer facilmente devido a política do Encilhamento, das condições concretas de maior mercado de trabalho que a cidade começa a apresentar e das grandes levas de imigrantes europeus que entraram no país nos últimos anos do século XIX e início do século XX. Aonde colocar tanta gente numa cidade tão pequena?
No campo econômico a cidade encontrava-se mais falida do que nunca, pois o fracasso do Encilhamento de Rui Barbosa e a desastrosa administração de Campos Sales formou um flagelo singular para as camadas mais pobres da população, pois diminuíram ainda mais as ofertas de emprego e o custo de vida aumentou sensivelmente. As agitações começavam a ferver na cidade. Nicolau Sevcenko coloca esse momento de forma bem clara:
“ É claro que essa efervescência tumultuária latente, eventualmente alarmante, vinha comprometer os melhores planos da elite governamental. Por um lado, era o aumento da insegurança pessoal que desassossegava quem quer que tivesse algo a perder. A Imprensa trovejava reprimendas ao governo pela sua inépcia diante do aumento da criminalidade urbana. A crônica policial ganhava espaços cada vez maiores com descrição enraivecida do aumento escandaloso de roubos, assaltos, arrombamentos, homicídios, assim como da vadiagem, prostituição, da mendicância e do alcoolismo. Mais muito pior era segurança social que essa situação engendrava visto que era essa população miúda e turbulenta quem dominava efetivamente o centro da cidade.”(9)
O grande problema não era como viviam os miseráveis, mas sim o fato dessa gente estar bem no centro da cidade, convivendo com as pessoas de bem. Esse era o grande problema, e assim depois do exemplo da Comuna francesa, os governantes teriam que dar um jeito para que o fato não se repetisse no Rio de Janeiro. Por isso quando assumiu o cargo de prefeito indicado por Rodrigues Alves, Pereira Passos tratou de remodelar a cidade e usou para isso o modelo francês que acabara com as ruelas, casas de cômodos e estalagens. E a essa forma de esconder a miséria foi dado o nome de remodelamento.
Para legitimar essa atitude foi colocado que os cortiços eram focos de doenças e que as casas eram insalubres. Em nome da saúde popular, Pereira Passos aliado a Oswaldo Cruz e Paulo de Frontim iniciaram a reforma urbana e sanitária da Cidade. Não que esta reforma não fosse necessária, pois era verdade que a cidade era suja, mal-cheirosa e continha grandes focos de doenças, mas para isso o poder instituído usou a força demolindo os cortiços e obrigando a população a ser vacinada mesmo contra sua vontade. Os governantes não se preocuparam em fazer uma campanha esclarecedora da importância da vacinação e muito menos se preocuparam com o destino das pessoas que perdiam suas casas. Por esse motivo a população pobre não aceitava a intromissão do governo em suas vidas, já que era um governo constantemente ausente e pouco preocupado com o destino dos trabalhadores. Assim, estava dada a condição para que a população sé colocasse contra a vacinação obrigatória e a intromissão do poder em seu cotidiano.
Mais uma vez recorro a Sevcenko para ilustrar a forma que se deu a reforma urbana no início do século XX. “As vítimas são fácies de identificar: toda a multidão de humildes, dos mais variados matizes étnicos, que constituíam a massa trabalhadora, os desempregados, os subempregados e os aflitos de todas as espécies que povoavam a cidade. A ação do governo não se fez somente contra os seus alojamentos: suas roupas, seus pertences pessoais, sua família, seus animais, suas formas de subsistência e de sobrevivência, sua cultura enfim, tudo é atingido pela nova disciplina espacial física, social, ética e cultural imposta pelo gesto reformador”.(10)
Com esse gesto o governo republicano, mostrava bem a que interesses serviam e por ser um gesto oficial encontrava na justiça respaldo para ser injusto, brutal e discriminador.
A população respondeu a esses atos com extrema violência, e durante quatro dias no mês de novembro de 1904, essa camada da população mostrou não ser assim tão inativa e a Cidade do Rio de Janeiro foi palco da Revolta da Vacina. Um incidente social com grande número de mortos, feridos, presos e banido e que afinal deu ao governo um belo pretexto para se livrar das camadas inoportunas que habitavam a cidade tais como: os capoeiras, os vadios, as prostitutas e principalmente os negros.
A Revolta da Vacina é um exemplo único na história do movimento popular brasileiro que se baseia na defesa do cidadão em não aceitar ser tratado de forma arbitrária pelo governo. E mesmo sendo sufocada deixou na população o sabor de ter resistido, de não serem apenas inativos.
(9)Sevcenko, Nicolau. A Revolta da Vacina: Mentes insanas em corpos rebeldes- PP 55
(10)Sevcenko. Nicolau. A Revolta da Vacina: Mentes insanas em corpos rebeldes – PP 58
A CIDADE SE RECOMPÕE
Após sufocar os rebeldes de novembro de 1904, e impor a urbanização a todo custo, foi inaugurada oficialmente em 15 de novembro de 1905 a Avenida Central. A grande obra civilizadora estava concluída.
Também é importante abordar o outro lado desta tão “ magnífica reforma”. Todas as atividades da prefeitura estavam coordenadas pela comissão da Carta Cadastral do Distrito Federal, chefiada pelo engenheiro Alfredo Américo de Sousa Rangel(11) . Coube a esta comissão traçar os planos de alargamento das ruas, a canalização dos rios, o prolongamento e abertura de novas avenidas e o estabelecimento da rede de água e esgoto da cidade. Esta comissão também se responsabilizara pela questão de higiene domiciliar, que forçou a transformação dos edifícios já existentes. É fundamental uma definição nos critérios para a construção de novos edifícios, e é aí que a especulação imobiliária fará sua festa. A especulação imobiliária e a melhoria nos meios de comunicação, estes são os dois aspectos mais marcantes da reforma urbana.]
Não é necessário ser nenhum gênio para compreender o envolvimento de Pereira Passos com setores ligados ao comércio, aos meios de transportes, e é claro a construção covil. Os leilões dos terrenos desapropriados ocorriam ainda quando eram apenas montes de entulhos e era ali mesmo que se barganhavam e definiam a ocupação dos novos espaços, agora valorizados pelas novas e largas avenidas. Mas havia um empecilho: os prédios antigos que restaram, ou seja, sobrados velhos e escuros passaram a ser disputados na compra, venda e aluguel e isso desestimulava a construção de prédios mais modernos, pois acabariam valendo o mesmo que os que já existiam. Esse motivo fará com que a prefeitura tome a seguinte atitude:
“ (...) impedir a valorização constante dos prédios antiquados das ruas estreitas por onde passa hoje o mais forte movimento urbano, permitindo a sua substituição em época não remota(...)”(12) E assim a moradia dos mais pobres se torna alvo da especulação imobiliária e estes, ora que vão viver em outro lugar! (grifo meu). Sendo assim, os pequenos construtores, os pequenos construtores vão ficando fora desta “ maravilha de civilização”, e isto se dá com as novas normas para a construção dos prédios, com elevado custo dos terrenos e com a abolição da figura do mestre-de-obras.
Em todos os setores desta grandiosa urbanização os cidadãos pobres foram sendo postos para fora, como se o progresso não fosse para os eu bico. Em 1906, quando terminava a administração de Pereira Passos, também chegava ao fim o bota-abaixo com um saldo de 1681 habitações derrubadas e 20.000 pessoas obrigadas a deixarem o lado nobre da cidade, escondendo-se nos subúrbios da Central e Leopoldina, morros e favelas.
A reforma de Rodrigues Alves e Pereira Passos haviam dado uma outra face à cidade, mas esta face era falsamente branca, falsamente rica.
(11) Rocha, Oswaldo Porto. A Era das Demolições- PP 65
(12)Relatório da Prefeitura do Distrito federal, Melhoramentos da Cidade projetada pelo prefeito Francisco Pereira Passos – Rio de Janeiro, 1903 – pp 23 – Arquivo Nacional
CIDADÃOS INATIVOS... ONDE MORAR?
“Por este intrincado de ruas e bibocas é que vive a grande parte da população da cidade, cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhes cobre impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro.”
Lima Barreto (13)
Como coloca Lima Barreto, a população que antes viva no centro da cidade, e com isso tinha meios mais fáceis e rápidos de chegar ao trabalho, ou de se “virar” em caso de subemprego foi sendo empurrada para a periferia da cidade.
Também é certo que as favelas já existiam, a mais conhecida estava localizada no Morro da Providência, até então conhecido como Morro da Favela, por ser local de habitação dos remanescentes de Canudos, que trouxeram do sertão baiano esta expressão. No relatório da prefeitura já citado, encontramos a seguintes informações:
“(...) habitações feitas de estuque, com pequenas janelas e portas estreitas, telhado de zinco ou folha de lata de querosene. O tamanho destas construções são geralmente maiores do que os cortiços, há também maior espaço entre uma construção e outra e nenhuma casa era feita de madeira (...)”.(14)
Foram estes locais que abrigaram os 20.000 desabrigados pela modernidade, e assim o Rio de Janeiro pôde finalmente desfrutar plenamente do título de Cidade maravilhosa, e é no centro civilizado desta cidade, que desfilam os primeiros automóveis, circulam os bondes, o Teatro Municipal recebe famosas óperas e grandes concertos musicais, a Escola de Belas Artes expõe artistas renomados e o debate político encontra calorosa discussão no Senado Federal.
É lá de cima do Morro da Favela que os cidadãos sem renda, sem posses e sem cidadania, que antes residiam nos cortiços, observam sem entender muito bem toda essa modernidade.
(13)Barreto, Lima. Clara dos Anjos – PP 109
(14)Relatório da Prefeitura do Distrito Federal. Melhoramentos da Cidade projetada pelo prefeito Pereira Passos, 1903 – Arquivo Nacional.
CONCLUSÃO
Hoje esta “maravilha de cidade” sofre com a desigualdade social e com a péssima distribuição de renda. Os filhos desta desigualdade cobram caro pela sua cidadania fazendo com que a cidade se torne mais, muito mais, violenta do que maravilhosa.
O projeto capitalista que tomou corpo coma República encontra-se hoje consolidado, o Brasil é consagradamente um país capitalista de Terceiro Mundo, isso quer dizer que o papel de exportador de matéria-prima para países capitalistas desenvolvido está sendo desempenhado de forma brilhante, e a nova moda neoliberalista é usada em todos os setores da sociedade brasileira. Sendo assim, fica fácil compreender o papel que as classes populares exercem no sistema capitalista, e a quem esse sistema beneficia. Por isso, para completar esse meu raciocínio, peço ajuda a Lênin, que já chamava a atenção para o processo de exportações de capitais dentro do projeto imperialista, que se consolidou na primeira fase da República brasileira. Segundo ele:
“ (...) as nações européias, plenamente capitalistas, como Inglaterra e França sistematicamente concedem empréstimos àquelas em fase de desenvolvimento, particularmente as da América do Sul e do Leste europeu. Estes empréstimo são feitos não em nível de investimento industrial privado, mas tratados diretamente com o poder público, com os governos. Outra particularidade esta na finalidade da transação isto é, aplicação do capital no setor privado de exploração, ou então em setores ligados à modernização, tais como: ferrovias, companhias de carres, luz e força. Ainda dentro desta filosofia, os bancos procuram sempre orientar a aplicação dos recursos que emprestam, visando sua utilização em obras que venham lhes beneficiar." (15) em>
Sendo assim, podemos concluir que esse conjunto de práticas provocou um reforço nos laços de dependência dos governos com o imperialismo. Neste foco é fácil entender quem se faz e quem não se faz cidadão nesta sociedade que vivemos. E hoje temos reflexos bastante claros de uma República proclamada às escuras e podemos ver perfeitamente q quem se destinava, assim fica óbvio que ainda temos muito para aprender no que toca ao quesito cidadania. Por isso encerro este texto com entendimento perfeito de que cidadãos são os outros e não o povo.
(15)Lênin. VI Obras escolhidas v.1, Alfa-Ômega, SP, 1979. * Denise Oliveira é Professora da Rede Estadual de Educação.
Rio de Janeiro, Julho de 1999.
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias:
Relatório da Prefeitura do Distrito Federal. Melhoramentos da Cidade Projetada pelo prefeito Francisco Pereira Passos – DF/RJ – 1903. Arquivo Nacional
Fontes Secundárias:
BARRETO, Lima. CLARA DOS ANJOS. RJ, Tecnoprint, sd
CARVALHO, José Murilo de. OS BESTIALIZADOS – O RIO DE JANEIRO E A REPÚBLICA QUE NÃO FOI.
SP, Companhia das Letras, 1996.
CHALHOUB, Sidney. CIDADE FEBRIL- CORTIÇOS E EPIDEMIAS NA CORTE IMPERIAL, SP, Companhia
das Letras , 1996.
CHALHOUB, Sidney. TRABALHO, LAR E BOTEQUIM- COTIDIANO DOS TRABALHADORES NO RIO DE
JANEIRO DA BELLE ÉPOQUE. SP, Editora Brasiliense, 1986.
HOBSBAWM, Erick. BANDIDOS. RJ, Forense-Universitária, 1975.
LENIN. VI OBRAS ESCOLHIDAS. v1. Alfa-Ômega, 1979.
ROCHA, Oswaldo do Porto e CARVALHO, Lia de Aquino. A ERA DAS DEMOLIÇÕES/HABITAÇÕES
POPULARES. RJ, Coleção Biblioteca Carioca 2° edição, 1995.
SEVCENKO, Nicolau. A REVOLTA DA VACINA- MENTES INSANAS EM CORPOS REBELDES, RJ, Editora
Spione, 1993. Este texto foi apresentado no X Encontro de Professores da ANPUH, Florianópolis 1999.
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