sexta-feira, 10 de setembro de 2010

As Ligas Camponesas: Um Exemplo Marxista na Luta de Resistência no Campo




Denise Santos de Oliveira*

Introdução:

Este texto tem por objetivo traçar um perfil ideológico da luta pela terra não atendo-se somente a uma consciência campesina e pequeno burguesa da propriedade, mesmo que baseada na posse individual da terra. O importante é reconhecer o projeto de reforma agrária era, e ainda hoje o é, revolucionário, já que pregava a dissolução do grande latifúndio, o fim da política oligarca e da burguesia rural. Desarticulando também o bloco industrial-agrário.
Ao traçar o perfil dos acontecimentos que nortearam a luta pela terra no interior de Pernambuco, entre 1954-1964, ficou impossível não atermo-nos aos acontecimentos políticos da época. O avanço das forças populista-reformistas que traziam Goulart e Arraes, e a influência causada pelo sucesso da revolução cubana, criou um clima favorável aos movimentos de massa. No interior desses acontecimentos, as condições políticas fizeram com que o camponês, o trabalhador rural, operários e estudantes, organizassem-se através das Ligas, sindicatos e organizações estudantis para fazerem sua própria revolução. Neste sentido as Ligas Camponesas superaram o problema
do localismo e assumiram um caráter orgânico de dimensões políticas muito maiores do que o poder instituído poderia imaginar.
Se num outro tempo o camponês numa situação limite abandonava o campo, vindo engrossar os bolsões de miséria nos grandes centros, tornando-se o que Marx classificou de lupem-proletariado, neste momento se mantêm no campo aglutinando forças e consegue inverter a correlação de forças e mostrar um movimento social-agrário unificado em torno de uma só bandeira. Reforma Agrária. Mas com certeza, o bloco industrial-agrário, que vem dando as cartas desde a década de 1930, reitera seu conservadorismo articulando uma nova saída. O Golpe Militar de 1964.
Se num outro tempo o camponês numa situação limite abandonava o campo, vindo engrossar os bolsões de miséria nos grandes centros, tornando-se o que Marx classificou de lupem-proletariado, neste momento se mantêm no campo aglutinando forças e consegue inverter a correlação de forças e mostrar um movimento social-agrário unificado em torno de uma só bandeira. Reforma Agrária. Mas com certeza, o bloco industrial-agrário, que vem dando as cartas desde a década de 1930, reitera seu conservadorismo articulando uma nova saída. O Golpe Militar de 1964.
Hoje a bandeira da reforma agrária esta novamente tremulando, não é mais dentro dos partidos comunistas e nem com a intenção revolucionária marxistas de trinta anos atrás, mas o MST trouxe de volta a questão da luta pela terra e como as Ligas Camponesas, também têm conseguido pressionar o poder no sentido de rever a questão agrária no Brasil.
A princípio, quando se pensa em produzir um trabalho sobre as comemorações dos 150 anos da primeira publicação do “ MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA”, escrito por Karl Marx e Frederich Engles, em 1947, logo vem a idéia de se produzir algo voltado para o Movimento Operário das cidades. Mas, acredito que no campo as lutas contra a opressão do capital, se dão com a mesma intensidade, e talvez com fúria muito maior do que no contexto urbano.


Neste sentido venho dar minha contribuição as comemorações dos Cento e Cinqüenta Anos do Manifesto, mostrando as lutas no campo, as desigualdades e a força do campesinato, num dos episódios da história do Brasil que ficou denominado (pejorativamente pela imprensa) de Ligas Camponesas. Tentarei mostrar todo processo e seu desfecho, numa luta de Terra, Vida, Pão e Liberdade, ou seja, todos os principais ingredientes que levaram Marx e Engels a escreverem este ABC revolucionário, que durante anos ficou restrito apenas às classes operárias nas cidades. Porém, os trabalhadores do campo também se inserem nesta cartilha e foram à luta na tentativa de conseguirem mais liberdade e igualdade nas relações de trabalho no campo, e isto veremos na luta pela construção e consolidação da “SOCIEDADE AGRÍCOLA E PEDUÁRIA DOS PLANTADORES DE PERNAMBUCO (SAPP)” ou LIGA CAMPONESAS DA GALILÉIA.
* Autora é hoje professora da Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro.
Na época da confecção do texto era aluna do sexto período do curso de graduação em Licenciatura plena na cadeira de História, pelo a Universidade SUAM.

AS ORIGNES DAS LIGAS CAMPONESAS

As primeiras tentativas de organização dos trabalhadores do campo, se dá por volta de 1945. Um ano antes o decreto 7.038 de 1944 , autorizava a sindicalização rural,
porém a lei não foi implementada por falta de pressão das massas rurais, descaso do governo e pressão dos grandes proprietários de terra.
Com a deposição de Vargas, a direção do Partido Comunista Brasileiro sente a necessidade de ampliar suas bases políticas para além dos centros urbanos, e concretizar a velha idéia de uma aliança operário-camponesa, e com isso contrapôs-se ao latifúndio e ao imperialismo.
Na medida em que o PCB pretende construir-se como partido de massas vinculado aos movimentos sociais, os seus objetivos eleitorais vão sendo cada vez mais mediados pelos interesses dos camponeses e trabalhadores rurais, é neste sentido que as Ligas seriam, por excelência instrumentos de organização e mobilização do campesinato.
Porém, as Ligas e associações rurais da época sendo subordinadas à aliança operário-camponesa e a política muito centralizada do PCB, acabam por tornarem-se pouco nítidas e sem autonomia política. Mas mesmo assim, foram fundadas Ligas e Associações por quase todos os estados brasileiro. Em Pernambuco, as que mais se destacaram foram: Escada, Goiânia, Pau D’Alho e Iputinga, esta última dirigida , por José dos Prazeres que terá grande importância em 1955, na criação da Liga da Galiléia . Apesar de estarem registradas como associações civis, não conseguiam transformarem-se em sindicatos, pois esbarravam na má vontade do Ministério do trabalho, e este seguia as regras impostas pelos latifundiários.
Após a cassação do registro do PCB, em 1947, o retorno do partido à clandestinidade e a repressão aos seus militantes, as Ligas e Associações foram violentamente sufocadas seja pelo governo, latifundiários, jagunços, polícia oficial e particular.
Mesmo assim entre 1948 a 1954 ocorreram alguns conflitos importantes tais como: a guerrilha de Porecatu (1950 na fronteira SP/Paraná), a revolta de Dona Noca( 1951 Maranhão) e a criação do Território Livre de Tromba-Formoso (1953 norte de Goiás) .Essas lutas mostram um PCB ainda atuante, mesmo que clandestino, e nos anos 50 uma nova articulação se dará no campo, e tenta se criar sob nova roupagem as Ligas Camponesas. E assim surgirá a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuária de Pernambuco –SAPP, ou como ficou conhecida nacionalmente a LIGA CAMPONESA DA GALILÉIA.

1. Referência ao decreto que autorizava sindicatos rurais em nota do autor.
Fernando Antonio Azevedo. As Ligas Camponesas; Paz e Terra; RJ – 1981.
2.Dados sobre associações rurais que antecederam a Liga da Galiléia e deram sua origem. Por Fernando Antonio Azevedo. As Ligas camponesas;Paz e Terra;RJ,1981.

O Engenho da Galiléia

Conheceremos agora aos acontecimentos que marcaram o Nordeste e derem exemplo de como se pode aplicar os métodos marxistas no campo.
O Engenho da Galiléia, localiza-se em Pernambuco, no município de Vitória de Santo Antão, a 60 Km do Recife, numa região entre a Mata e o Agreste. Nos fins dos anos 40, a cana de açúcar deixou de ser explorada na região, e os proprietários passaram a arrendar as terras. A área foi então ocupada por 140 famílias, dando um total de quase mil pessoas, que são arrendarias da terra e proprietários dos meios de produção. É utilizado a força de trabalho familiar e a produção é intercalada com a de subsistência. Essas famílias devem retirar da terra o rendimento para manter os meios de produção, a compra de sementes e o pagamento do arrendamento, este feito em dinheiro, conhecido como foro. Se acontecesse do arrendatário não conseguir pagar sua dívida , era expulso pelo dono da terra.
No ano de 1954, José dos Prazeres, militante do Partido Comunista contacta vários camponeses que estão ameaçados de expulsão por não conseguirem pagar o foro. Surge daí a idéia de se formar uma sociedade, com a meta de comprar o um engenho, para que os camponeses ficassem livres do pagamento da taxa e da ameaça de expulsão.
Já no final de 1954, a sociedade é fundada, com a seguinte diretoria: Presidente – Paulo Travassos; Vice Presidente – José Francisco de Souza(Zezé da Galiléia); 1° Secretário- Oswaldo Lisboa; 2° Secretário –Severino de Souza; 1° Tesoureiro – Romildo José; 2° Tesoureiro- José Hortêncio; Fiscais – Amaro Aquino(Amaro do Capim), Oswaldo Campelo e João Virgilio e como Presidente de Honra, é convidado Oscar de Arruda Beltrão, proprietário das terras . Assim é fundada a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco – SAPP. Do ponto de vista legal, é uma sociedade civil beneficente, de auxílio mútuo, com a intenção de fundar uma escola primária e formar fundos funerários, e em segundo plano a aquisição de produtos agrícolas e assistência governamental.
Pouco tempo depois, o proprietário do engenho da Galiléia e Presidente de Honra da associação, alertado por outros latifundiários, que acham a idéia da sociedade perigosa e comunista passa a perseguir e tenta interditar a sociedade judicialmente. Começa então as intimações à Delegacia de Polícia, é chamado Promotor, Prefeito e Juiz. Alguns camponeses se intimidam, porém um número maior de trabalhadores rurais resolvem encarar a luta. Uma marcha segue para Recife, pedindo a intervenção do governador Gen. Cordeiro de Farias, que é claro,nega qualquer tipo de ajuda. Os camponeses seguem então para a Assembléia Legislativa aonde são aconselhados a procurar um advogado. E assim chegam até Francisco Julião (Deputado estadual pelo Partido Socialista).

3.AZEVEDO, Fernando Antonio. As Ligas Camponesas; Paz e Terra;RJ-1981.

Desapropria-se o Engenho da Galiléia

Após três anos de intensa pressão feita através de comícios, como o do dia 13 de maio de 1956, denominado a Marcha da Fome, e em 4 de março de 1958, aonde lavradores foram até o Palácio do Governo. A imprensa não consegue ficar de fora dos acontecimentos, e o país inteiro toma conhecimento dos acontecidos em Pernambuco. É sob essa forte pressão, que em 1959, o Engenho da Galiléia é desapropriado. O impacto desta desapropriação para a classe dominante é claramente expresso pelo jornal “ O Estado de São Paulo”, no artigo Demagogia e Extremismo, aonde o jornal coloca “... o movimento ganhará novas proporções, atingindo as classes proletárias das cidades, como a invasão de oficinas, como o apossamento violento das fábricas, com o assalto à casas de residências, com depedrações de bancos e estabelecimentos comerciais. A revolução é assim. E o que, com sua cegueira, o governo pernambucano incentivou, foi a revolução”.
Porém a desapropriação do Engenho da Galiléia, por mais que abrisse um precedente, não se constituiu num ato revolucionário, pelo contrário foi um ato de exceção sob estreito controle governamental, que tentou com isso diminuir os conflitos mais encarniçados na região entre camponeses e latifundiários. Por isso é a recém –criada Companhia de Revenda e Colonização (CRC), que efetivamente tomará posse do Engenho da Galiléia,e por meio de planos de colonização faz a divisão dos 500 hectares em lotes de 10ha para somente 47 famílias, num critério que pouco se diferenciava do anterior. O colono agora, tinha três anos para desenvolver a terra, não apenas cultivando-a, mas realizando benfeitorias. E a emancipação só viria quando o CRC considerasse o colono em condições de dirigir seu hectare.

4.Organização administrativa da Sociedade Agrícola de Plantadores e pecuaristas de Pernambuco (SAPP), em sua fundação descrita por Elide Rugai no Livro AS LIGAS CAMPONESAS;Petrópolis-1984 PP 19
5. Trecho do editorial “Demagogia e Extremismo” publicado no jornal o Estado de São Paulo em 18.02.1960.


Deste modo a luta pela terra, agora teria que passar por um novo caminho, era obrigatório a organização dos camponeses e mobilização política permanente, pois agora não se tratava mais de uma luta por qualquer terra, mas sim pela terra que tem incorporado seu trabalho. É neste sentido que muda o aspecto da luta sendo que não se trata apenas de uma luta pela propriedade pura e simples da terra, mas sim a luta pelo objeto e meio de trabalho. Por isso os mecanismos de controle das reivindicações tem que serem muito bem controlados
As relações no modo de produção, e nas dificuldades encontradas pelo camponês, não mudam com a entrada da CRC em cena, a exploração do grande pelo pequeno ainda é a mesma. O camponês combina produção de subsistência com a mercantil, e o conjunto desta produção recebe o nome de magaio*, destinando-se ao abastecimento das cidades feito através do intermediário(magaieiro), que compra a produção por um preço global. O preço é estabelecido pelo estabelecimento comercial, que conforme as condições existentes, impõe o preço que melhor lhe cabe, não restando ao produtor outra alternativa a não ser aceitá- lo, pois caso contrário pode perder toda produção. Isso se dá bem dentro das relações capitalistas, aonde o preço baixo é necessário à viabilização da reprodução da força de trabalho, pois tais preços não remuneram a renda da terra e, os camponeses passam a responder apenas pela sua subsistência. Esta é a consciência da desigualdade que existe entre camponês e o latifundiário.

6.BASTOS, Elide Rugai. AS LIGAS CAMPONESAS;Vozes: Petrópolis-1984 PP 21.
* Magaio – Toda a produção que é colocada à venda nos mercados das cidades.


A Organização das Ligas

As Ligas Camponesas trazem no seu bojo muito arrendatário, parceiros, posseiros e
pequenos proprietários, o qual se costuma chamar de “campesinato”.
No entanto, o grande erro da organização das Ligas foi subestimar a importância das massas assalariadas do campo, alijando-as da luta. É indiscutível a diferença dos mecanismos de luta entre esses dois segmentos em relação ao movimento operário rural. O trabalhador assalariado rural, que forma uma parcela significante das classes dominadas, estava impedido de ser sindicalizado e não contava com uma legislação trabalhista específica, ficando à margem deste tipo de luta, já que era regido pela CLT, que disciplinava a relação entre capital e trabalho. Entretanto, estas regras eram impraticáveis no campo por duas razões: as leis trabalhistas estavam preparadas para atenderem aos conflitos urbano-industriais, e não conseguiam dar respostas a complexidade do trabalho rural, há também o fato da CLT ser aplicada pelo Tribunal do Trabalho e pelas Juntas de Conciliação, estas por sua vez, localizadas nas cidades maiores e capitais, vilas e pequenas cidades contavam com os juizes de Comarca para as contendas trabalhistas, estes por sua vez, regiam os processos pelo Código Civil ou Penal. Desta forma o trabalhador rural ficava sem respaldo tanto do lado legislativo como pelo lado sindical nos seus enfrentamentos com o latifúndio.
A Liga não procurou respostas a esta lacuna de poder, ao invés disso isolou o trabalhador rural assalariado. Para as direções das Ligas Camponesas, o produtor apresentava um potencial de mobilização superior ao do trabalhador assalariado, que encontrava-se em situação sócio-econômico inferior ao camponês. Na visão de Julião essas diferenças eram:
1. Fator Jurídico: a lei em que se baseia o movimento camponês é o Código Civil, útil na arregimentação dos camponeses, pois com base na legislação é fácil registrar o estatuto de uma nova sociedade civil, mesmo sendo uma Liga Camponesa. Nas palavras de Francisco Julião: “ O Código Civil, é pelo menos nas atuais circunstâncias,uma a arma que neutraliza a burguesia, enquanto isola o latifúndio.”
Por isso o camponês estaria melhor armado judicialmente para a luta do que o trabalhador assalariado rural.
2. Fator Financeiro: em condições ainda que precária o camponês é dono dos meios de produção, o que falta no trabalhador assalariado rural. Sendo assim, pode vender sua produção e, quando o embate com o poder instituído é inevitável, tem como se manter em meio a contenda, sem com isso passar por privações como o trabalhador assalariado, que se não planta na terra do latifundiário, não come.
3. Fator Econômico: o sentimento estimulado pelas posses de terra e benfeitorias no camponês, fortalece o desejo de luta e a defesa do que se considera dono. A diferença entre o assalariado e o camponês é que o primeiro dirige sua luta contra um setor econômico organizado e bem mais forte, enquanto o camponês se lança diretamente contra o latifúndio, que muitas das vezes é improdutivo, o que o torna mais fraco na estrutura de classe.
Este contexto poderia ter sido melhor trabalhado pela direção das Ligas Camponesas e as limitações de ordem sindical-político-econômico poderiam ter engrossado o movimento social agrário, e isso talvez minimizasse as divergências que ocorreriam entre 1962 e 1963.
Um outro ponto importante a ser observado são as formas utilizadas para se conseguir uma mobilização cada vez maior. Os fatores que darão este respaldo são: Código Civil; a Poesia Popular e a Religião, no caso a própria Bíblia.
No Código Civil o camponês encontrou o respaldo jurídico legal da organização camponesa. A permanência do camponês na terra esta vinculada a um contrato civil, o que permite ao camponês ficar na terra mesmo estando em litígio com o latifundiário.
A Poesia Popular se torna forte dentro do universo da tradição oral, a grande maioria dos camponeses é analfabeta e este mecanismo ajuda a manter a própria cultura do campesinato. O violeiro, o cantador e o folhetista se tornam figuras presentes nas festas e feiras. Estes passam a colaborar com a Liga trazendo não só consciência de luta, mas notícias das Ligas nas fazendas aonde o agitador político não podia entrar.
A Bíblia também é um elemento de mobilização. A ação da Igreja no campo, iniciou-se por volta de 1960, com a fundação no Rio Grande do Norte do Serviço de Assistência Rural(SAR), por D. Eugênio Salles. Em Pernambuco é criado o Serviço de Orientação Rural (SORPE), pelo Pe Crespo, mas o objetivo principal destas organizações era neutralizar a ação das Ligas Camponesas. O que a Igreja continuava fazendo era pregar o catecismo da acomodação, assim a Igreja tradicional ficou conhecida como a Igreja dos Latifundiários, já que pregava contra a reforma agrária, que entendia que a família e a propriedade são inseparáveis.
Sendo assim, os pastores protestantes se tornaram os grandes líderes dos camponeses. Esta liderança era explicada pela seguinte forma: “ não bebiam, não fumavam e só tinham uma família”. Além de serem camponeses e estarem lado a lado na luta pela terra.
Mas não são somente estes três meios de mobilização havia o Conselho Regional das Ligas, que dava suporte e base de luta para as delegacias regionais das Ligas, o que ajudava no embate com o poder local, e leva ao conhecimento do setor urbano os acontecimentos no campo fazendo a ponte entre campo-cidade. A violência constante levou as direções a tentarem apoio nos centros urbanos, e assim procurar manter a existência das Ligas, já que suas sedes estavam nas cidades e por conseguinte recebiam o apoio do bloco operário-estudantil, atenuando assim, a repressão do latifúndio.
O Conselho Regional das Ligas, porém, tinha o comprometimento de alguns partidos políticos e membros do PTB,PCB e PSB . Num determinado período essa mescla partidária ajudavam as Ligas nas manifestações, atos públicos e marchas como forma de pressão ao poder instituído. Entre 1955 e 1959, aglutinações dessas forças conseguiram mobilizações fortes tais como: Primeiro Congresso de Camponeses de Pernambuco, 1955; o 1° de maio que aglutinou trabalhadores do campo e da cidade, 1957 e o próprio ato de desapropriação do Engenho da Galiléia, 1959. Nesta fase de atos e manifestações houve aproximação entre as lideranças camponesas e sindicais e o recurso à imprensa também foi utilizado como tática de mobilização. Os jornais: Última Hora, O Estado de São Paulo, Correio da Manhã e Jornal Brasil foram os que participaram, de maneiras diferentes, denunciando a violência no campo, ou fazendo o jogo do latifúndio.

4. JULIÃO,Francisco. O QUE SÃO LIGAS CAMPONESAS?; Civilizações Brasileiras S.A.;RJ-1962 PP61

No final dos anos 50 a Liga Camponesa conta com quase 35 mil associados só em Pernambuco e quase 70 mil em todo nordeste, é claro que isso despertou a preocupação do poder instituído, tanto que em meados de 1961 é pedida uma CPI pelo deputado Andrade Filho para investigar as Ligas Camponesas.
Ainda em 1961 foram lançados os Dez Mandamentos das Ligas camponesas para Libertar os Camponeses da Opressão do Latifúndio. Acontece também o I CONGRESSO DOS LAVRADORES E TRABALHADORES AGRÍCOLAS DO BRASIL. Este processo de luta marcou o fim da etapa aonde foram aplicados somente os direitos, iniciando a luta na defesa e aplicação desses direitos nos casos mais concretos. É nesta época também que começam a acontecer as primeiras cisões dentro das Ligas e isso acaba por enfraquecer toda a estrutura do movimento.

5.JULIÃO, Francisco. O QUE SÃO LIGAS CAMPONESAS?;Civilizações Brasileiras AS;RJ;1962 PP 72
6.BASTOS,Rugai. AS LIGAS CAMPONESAS;Vozes;Petrópolis-1984 PP 73
7. Citação das Mobilizações das Ligas Camponesas por Elide Rugai em As Ligas Camponesas; Vozes;Petrópolis-1984
8.BASTOS, Elide Rugai. AS LIGAS CAMPONESAS; Vozes; Petrópolis; RJ;1984 PP 74


As Crises nas Organizações Ligas

Entre os anos de 1960 e 1961, as Ligas tomaram um crescimento ideológico e passaram a defender a reforma agrária de forma mais radical. A nova concepção trazia em seu bojo o projeto da Revolução Brasileira.
Foi no Congresso de BH que esta concepção de luta se concretizou e trouxe as cisões à tona. As contradições são as seguintes: os grupos sob a orientação da ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), desenvolveram uma tendência de luta mais direcionada ás questões salariais e condições de trabalho. O PCB quer com isso fortalecer o camponês em todos os aspectos porém, as direções das Ligas não entenderam que a união de todo setor agrário é imprescindível para a luta. Outro ponto chave de discordâncias se dá quando a ULTAB aceita e as lideranças das Ligas recusam as táticas de luta agrária no marco da questão nacional-democrática (princípio político defendido pelo PCB). Para fechar os pontos de desentendimentos, aconteceu a incorporação ao movimento da ideologia revolucionaria cubana, aonde a direção das Ligas recusavam as propostas do PCB para a reforma agrária. Neste momento a luta no campo se deu em três frentes divergentes: de um lado, a luta pela sindicalização controlada pelo PCB;de outro, as ligas atuando de maneira isolada, separando camponês de trabalhador rural assalariado e por ultimo a Igreja que dirigia a organização sindical com claro objetivo de controlar as lutas, para que o sistema não perdesse o controle total da situação.
Assim, a direção do movimento social agrário muda a direção da luta em torno da posse de terra entre o campesinato e o latifúndio, para reivindicações de caráter mais trabalhista e sindical. Entre 1962 e 1964, as lutas no campo estarão mais voltadas para o assalariado rural, embora a reforma agrária continuasse sendo a grande bandeira de luta.
Neste momento começa a perceber-se uma transformação na estrutura das Ligas: da luta legal, em sua origem para a proposta de luta armada, dentro da concepção de revolução brasileira e o papel do campesinato, visto até agora como uma luta pacífica, legalizada. Por isso a direção das Ligas orientam-se para a formação de uma organização que permitirá, em certos momentos, o enfrentamento armado. Novamente teremos diferentes formas de interpretação: de um lado, um grupo formado por dissidentes do PCB, que organizaram o campesinato para a guerrilha, prevendo que a revolução viria do campo para a cidade. Do outro lado, vamos ter Julião propondo justamente o contrário, ou seja, a luta sendo organizada na cidade para o campo. As Ligas iriam espelhar os impasses e contradições vividas pela esquerda brasileira na condução dos movimentos sociais.
Em 1961, veio a ruptura definitiva entre a Liga e o PCB, quebrando assim, a unidade de ação do movimento social agrário. Estes pontos de desentendimentos que causaram o racha do movimento,terá reflexos nas eleições de 1962 e trará um maior isolamento político para a esquerda, aliás muito comum na história da esquerda brasileira.


O Enfraquecimento Contribuindo Para o Fim das Ligas Camponesas

O redimensionamento das Ligas Camponesas acontece em 1963, o governo populista de Miguel Arraes e a campanha de sindicalização no campo proposta por João Goulart, tentam controlar a mobilização agrária. Vamos assistir daqui para a frente um enfraquecimento constante das Ligas, já que o Estado redefinindo o seu sistema secular os grandes proprietários rurais na tentativa de articular a nova base de apoio misturando burguesia industrial com as camadas populares.
Dentro desse contexto, as Ligas não mantêm mais a hegemonia do movimento social agrário, sendo imprescindível a reestruturação orgânica das Ligas e a redefinição de suas teses programáticas que ajudem nas respostas para esta nova conjuntura.
Estas propostas surgem com Julião, ao publicar a tese para debate: Unificar as Forças Revolucionárias em Torno de um programa Radical , em 1963 e tenta recriar o Movimento Radical Tiradentes , dando na formação do Movimento Unificado da revolução Brasileira (MURB). Estas propostas eram de caráter claramente socialista, reiterando as concepções da Liga de 1960, trazendo de conjunto o operariado urbano, o proletariado rural, os pequenos produtores, os pequenos comerciantes, os estudantes, intelectuais pobres e etc. Neste contexto, as Ligas tem tudo para se fortalecer porém, estas propostas acabam não apontando para uma forma concreta de luta.
A contra proposta do Pe Alípio, vinha em direção a proposta de que o Conselho Nacional mantivesse a composição agrário-camponesa e que as Ligas se transformassem em LIGAS CAMPONESAS DO BRASIL com dois suportes: a Organização de Massas (OM) e a Organização Política (OP). Estas propostas são apresentadas na Conferência do Recife, em 1963, sendo criada AS LIGAS CAMPONESAS BRASILEIRAS.
Entre 1963 e 1964 as forças repressivas continuavam atuando contra os membros das Ligas. Algumas prisões são feitas envolvendo líderes do movimento, em 1963 é morto o membro Jeremias, e é convocado o Congresso Camponês, em També. Logo após o Congresso, o delegado regional do trabalho interdita o Sindicato Rural de També. Em outubro de 1963, é preso o líder das Ligas de Formoso e Serinhaém, Julio Santana. Sua prisão é respondida com protesto dos camponeses. Duas greves gerais dos trabalhadores rurais acontece em fevereiro de 1964, culminando na greve progressiva, com indicativo para 31 de março de 1964. Porém esta é a data o inicio do Golpe Militar, que prende os principais líderes das Ligas Camponesas, desarticulando todo seu processo, assim como todos os movimentos operários existentes no Brasil por mais de vinte anos.
Mas o fim das Ligas Camponesas em 1964, não impediu o surgimento de outros movimentos marxistas em favor da reforma agrária, hoje quarenta anos depois o MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST, continua levantando a bandeira da Reforma Agrária.

9.Citação de Fernando Antonio Azevedo. As LIGAS CAMPONESAS;Paz e Terra;RJ-1981.
10. Movimento Tiradentes foi uma tentativa de Francisco Julião de rearticular o comando político das Ligas Camponesas e manter a ação sob o comando único lançando me abril de 1962, o manifesto que reafirmava o socialismo e o exemplo cubano. Porém, o movimento tem vida curta e não consegue restaurar a unidade política das Ligas.

* Autora é professora de História da  Rede estadual de Educação, do Rio de Janeiro

Texto apresentado no Encontro Anual da Univ. Federal Fluminense
Rio de Janeiro, julho de 1999.

BIBLIOGRAFIA

Fontes Secundárias
AZEVEDO, Fernando Antonio. As Ligas Camponesas. Editora Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1982.
BASTOS, Rugai Elide. As Ligas Camponesas. Editora Vozes: Petrópolis, 1984.
JULIÃO, Francisco. O que são as Ligas Camponesas? Cadernos do Povo Brasileiro- Vol I;
Editora Civilizações Brasileiras S.A.; RJ – 1962

Fontes Primárias
Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO – 18/02/1960

Um comentário:

  1. Gostei. Me fez relembrar muitas coisas. Inclusive, que você foi uma das primeiras pessoas que tornou-se membro do meu blog Memórias Reveladas. Que bom vê-la de volta aqui com escrita importante, inteligente e de grande valia. Gostei também da sugestão de voto facultativo em vez de obrigatório. Combinaria mais com a Democracia. Bjs!

    ResponderExcluir