quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A Revolução dos Ratos





Na foz do rio Chipió existe uma grande ilha fluvial, que como tudo mais daquelas lonjuras não tem nome. Na ilha durante muito tempo só viviam alguns passarinhos, umas poucas cobras e muitos ratos. 
Dizem que a vida na ilha era boa. As cobras eram poucas e só comiam uma vez por semana, enquanto que os passarinhos e os ratos, como havia abundância de sementes, se entendiam muito bem.
Mas, como aquele rio de vez em quando sofre uma enchente das boas, chegou à ilha, flutuando num toco meio apodrecido, um casal de gatos mortos de medo.
 
Como eles não conheciam o lugar, no início procuraram se ambientar e não se meteram com ninguém. Eles pegavam alguns peixes e passavam o tempo todo fugindo das cobras, com a ajuda dos passarinhos, que sempre davam o alerta quando elas se aproximavam.
 
Devido a isso, os gatos fizeram um favor aos passarinhos pegando um gavião que perturbava a vida do pessoal e uma coruja, que era um inferno para os ratos.
 
Os gatos perceberam logo que podiam junto com os passarinhos e os ratos acabar com as cobras. Para fazer isso, bastava que fugissem sempre delas , de modo que não tendo o que comer e sabendo nadar, elas terminariam se mandando para outro lugar. Todos aceitaram a ideia e não demorou muito para que a ilha ficasse livre de ofídios.
Tudo ia muito bem até que a fome e a natureza levou os gatos, já sem inimigos, no topo da cadeia alimentar da ilha, a se fartarem de ratos e passarinhos.
 
Para esses últimos a solução foi fácil, numa grande assembleia eles decidiram migrar para outro lugar, voando baixo para não atrair os gaviões. Isso, porém, tornou a vida dos ratos muito pior do que era antes. Os dois gatos passaram atacar o tempo todo, não dando um minuto de folga, cobrando bastante caro as poucas horas de sossego que davam para os seus antigos aliados.
 
Chegando ao cumulo do desespero, os ratos resolveram fazer uma assembleia, assim com haviam feito os passarinhos. Não foi nada fácil arranjar um lugar onde todos pudessem ir e ficar em segurança para discutir as questões. Por fim, eles conseguiram se reunir numa das tocas que as cobras haviam abandonado.
 
A assembleia estava bastante cheia e todos queriam falar. A lista de inscritos para avaliação era imensa e o debate não progredia devido as constantes "questões de ordem" que eram levantadas. Contudo, apesar de todas as dificuldades a discussão chegou a suas segunda etapa e a presidente da mesa, uma ratinha velha muito esperta, pode anunciar com certa satisfação que aqueles que iriam fazer propostas se apresentassem.
Aí, o silêncio foi geral... Ninguém tinha nada para propor. Todos sabiam do problema e da traição dos gatos, todos já haviam sofrido por causa deles,mas como eles poderiam resolver a questão.
 
No meio daquele silêncio ouviu-se então uma voz. Um rato bastante esperto, bem conhecido da galera, tinha um dos braços levantados e repetia:-"Sra. presidenta, eu tenho uma proposta, que com certeza será a solução dos nossos problemas." A presidente pediu que o tal rato fosse para frente da plenária e expusesse sua ideia. O rato então falou que como eles sempre conseguiam escapar dos gatos quando percebiam a sua presença, bastava colocar um gizo nos pescoços dos bichanos para que eles notassem de longe a sua aproximação e aí fugissem com sucesso.
 
A assembleia explodiu em aplausos e todos tinham acordo com a ideia.
 
Mas, quando estava todo mundo feliz da vida, uma rato velhusco cheio de artrite pediu a palavra e perguntou quem iria fazer aquilo, quem iria arriscar a vida duas vezes daquele jeito para conseguir realizar o tal projeto que salvaria a todos. O silêncio foi, dessa vez, sepulcral... Os ratos perceberam que a situação era muito mais difícil do que eles haviam pensado. Eles poderiam fazer muitas assembleias, contudo talvez nunca encontrariam uma solução
Quando todos já começavam a empilhar as cadeiras para irem embora, um outro rato que falava com um sotaque estranho e que havia chegado há pouco tempo à ilha, flutuando numa tabua onde estava escrito "Cantina do Nino - rodízio de massa doida", pediu a palavra e disse que tinha outra solução. Todos, apesar de bastante incrédulos, param paraouvi-lo e ele começou: -"Eco, os gati e os rati já furom amicci. Intaon pudem ser di nuovo. Basta parlare com el e oferecere algo pela pacce."
 
A plenária titubeou, duvidou, mas por fim aceitou explodindo em aplausos outra vez. A proposta venceu por aclamação e logo começaram a organizar a comissão que iria, com toda segurança,negociar já com os gatos. Ouviu-se até, dessa vez, um gritos de "vitória" na plenária e alguns chegaram a chorar de felicidade, enquanto que o tal rato era carregado nos ombros pela multidão.
No meio daquela euforia ouviu-se, então, um voz rouca e distante que vinha lá do fundo das arquibancadas. Um rato velho, já encurvado pela idade, com cabelos ralos e barbicha muito branca pediu apalavra e foi a frente da plenária e começou a falar: - "Vocês estão malucos! Negociar com os gatos! Eles só aceitarão o acordo se nós passáramos a entregar para os bichanos um dos nossos todos os dias. Eles tem que comer a gente para ficar vivos e, portanto, não vão aceitar outra coisa."
 
O silêncio tomou conta outra vez da assembleia e alguns ratos caíram em prantos. Mas o rato velho prosseguiu: - "Nós temos é que matar os gatos, acabar com eles de vez. Nós somos fracos e mesmo juntos não damos conta do recado numa luta direta. Parece impossível, mas nós podemos cavar armadilhas, atraí-los para elas e assim que eles caírem lá dentro nós os enterramos vivos e nos livramos deles para sempre."
 
Dessa vez não ouve aplausos e muitos discordaram. A discussão se estendeu por dias e dias, até que, por fim, decidiram botar em prática o tal plano. Após semanas de trabalho árduo os ratos construíram as armadilhas e com bastante coragem e ousadia conseguiram atrair os gatos para elas e joga-los lá dentro, acabando com eles.
 
Quando o plano deu certo, porém, o tal rato velho que havia proposto a ideia já estava morto e como muitos tinham perdido a vida na luta para levar os gatos para as armadilhas, houve muita tristeza e lágrimas no dia espetacular de comemoração da vitória final.
 
A vida na ilha, dizem os outros bicho que já estivem no lugar, não é nenhum paraíso, existem grandes dificuldades e o pessoal precisa dividir tudo com muito cuidado senão vai faltar para alguém. Mas todos são unanimes em dizer que na ilha dos ratos, gato não manda...

Por: Carlos Dittz
Outubro, 2014



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